O Resgate
Sou amigo do Professor José, do
Instituto Farroupilha e da Vanda. O casal mora em Santa Maria. Os dois filhos
do casal estavam na Boate no dia do incêndio e apenas a guria conseguiu se
salvar. Como tantos outros, cujas atitudes serão cantadas em verso e prosa
daqui para a frente, Rafael salvou duas pessoas e voltou para tentar salvar
mais gente. Lamentavelmente ele acabou se tornando mais uma das (macabras)
estatísticas deste triste episódio.
Que tal espírito de desprendimento e
voluntarismo seja encontrado em jovens de 20 e poucos anos deve ser motivo de
júbilo e alegria pois muitas vezes o que vemos é a atitude da “lei de Gerson”
(“gosto de levar vantagem...”). A tristeza, que é muito maior que qualquer
outra coisa, fica pela perda do Rafael e de outros 230 e tantos jovens. Me
eximo de colocar os números certos pois ainda temos vítimas nos hospitais.
Rezemos para que este número não aumente.
A tragédia lembra uma situação de
guerra. Praticamente todas as vítimas são jovens, o que me lembra Zorba, o
grego, ao perguntar no livro ao patrão: por que são os jovens que sempre morrem?
Outra semelhança é que praticamente todo mundo conhecido aqui no RS tinha de um
jeito ou de outro ligação com alguma vítima. Mesmo na UNIPAMPA tivemos 2 alunos
e dois filhos de servidores que não estarão mais conosco.
Imediatamente as autoridades tomaram uma
atitude (que deveria ter sido tomada antes) e estão a fiscalizar todas as casas
noturnas Brasil afora. O problema é que não são apenas as casas noturnas.
Precisamos que isto seja feito de uma maneira global, caso contrario o bode
expiatório passará a ser as boates. Seria mais construtivo se ao invés de ficar
culpando o Corpo de Bombeiros, que se verificasse a razão maior da tragédia.
Acontecimentos desastrosos sempre tem raízes mais profundas do que aquilo que
conseguimos enxergar. Se não assim o fizermos, passaremos a ter as boates mais
seguras do mundo enquanto continuaremos com problemas no restante.
Talvez devêssemos nos lembrar do
acidente em São Paulo em que um avião, ao pousar, acabou se desgovernando e
batendo em um posto de gasolina. Mas da mesma forma que nos perguntamos sobre a
espuma da boate, pergunta-se o que um posto de combustível faz numa cabeceira
de pista de aeroporto.
As atitudes e comprometimento devem
partir de todos e não apenas das autoridades. Cerca de 30.000 brasileiros
morrem todo ano no transito! O governo, numa tentativa, na minha opinião
tímida, tenta diminuir este número com uma lei seca e a reação de parte da
população é de que “todo mundo tem o seu direito”. Qual direito? Assim como os
donos da boate não podiam colocar (por motivos óbvios) espuma inflamável,
também não é direito de ninguém colocar a vida alheia em perigo por querer
“ficar mais alegre”.
O Brasileiro (coloco aqui letra
maiúscula de propósito) é talvez o povo mais alegre do mundo, mas precisamos e
temos que ter seriedade nos nossos propósitos na vida. Alegria e
responsabilidade podem caminhar juntas, basta que queiramos.
Assim como Rafael entrou na boate sem
medo para resgatar outras pessoas, outros assim o fizeram naquele momento de
imensa pressão e angústia. Fica para nós a herança e o dever de resgatar a
imagem e a mensagem que eles nos deixaram, de que podemos nos tornar uma
sociedade melhor e mais civilizada se assim o quisermos pois não podemos nos
dar ao luxo de perder jovens como o Rafael seja na boate, seja no aeroporto ou
no trânsito.
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