segunda-feira, 15 de abril de 2013

O Resgate - Folha do Sul / 4.Fev.2013

O Resgate
 
Sou amigo do Professor José, do Instituto Farroupilha e da Vanda. O casal mora em Santa Maria. Os dois filhos do casal estavam na Boate no dia do incêndio e apenas a guria conseguiu se salvar. Como tantos outros, cujas atitudes serão cantadas em verso e prosa daqui para a frente, Rafael salvou duas pessoas e voltou para tentar salvar mais gente. Lamentavelmente ele acabou se tornando mais uma das (macabras) estatísticas deste triste episódio.

Que tal espírito de desprendimento e voluntarismo seja encontrado em jovens de 20 e poucos anos deve ser motivo de júbilo e alegria pois muitas vezes o que vemos é a atitude da “lei de Gerson” (“gosto de levar vantagem...”). A tristeza, que é muito maior que qualquer outra coisa, fica pela perda do Rafael e de outros 230 e tantos jovens. Me eximo de colocar os números certos pois ainda temos vítimas nos hospitais. Rezemos para que este número não aumente.

A tragédia lembra uma situação de guerra. Praticamente todas as vítimas são jovens, o que me lembra Zorba, o grego, ao perguntar no livro ao patrão: por que são os jovens que sempre morrem? Outra semelhança é que praticamente todo mundo conhecido aqui no RS tinha de um jeito ou de outro ligação com alguma vítima. Mesmo na UNIPAMPA tivemos 2 alunos e dois filhos de servidores que não estarão mais conosco.

Imediatamente as autoridades tomaram uma atitude (que deveria ter sido tomada antes) e estão a fiscalizar todas as casas noturnas Brasil afora. O problema é que não são apenas as casas noturnas. Precisamos que isto seja feito de uma maneira global, caso contrario o bode expiatório passará a ser as boates. Seria mais construtivo se ao invés de ficar culpando o Corpo de Bombeiros, que se verificasse a razão maior da tragédia. Acontecimentos desastrosos sempre tem raízes mais profundas do que aquilo que conseguimos enxergar. Se não assim o fizermos, passaremos a ter as boates mais seguras do mundo enquanto continuaremos com problemas no restante.

Talvez devêssemos nos lembrar do acidente em São Paulo em que um avião, ao pousar, acabou se desgovernando e batendo em um posto de gasolina. Mas da mesma forma que nos perguntamos sobre a espuma da boate, pergunta-se o que um posto de combustível faz numa cabeceira de pista de aeroporto.

As atitudes e comprometimento devem partir de todos e não apenas das autoridades. Cerca de 30.000 brasileiros morrem todo ano no transito! O governo, numa tentativa, na minha opinião tímida, tenta diminuir este número com uma lei seca e a reação de parte da população é de que “todo mundo tem o seu direito”. Qual direito? Assim como os donos da boate não podiam colocar (por motivos óbvios) espuma inflamável, também não é direito de ninguém colocar a vida alheia em perigo por querer “ficar mais alegre”.

O Brasileiro (coloco aqui letra maiúscula de propósito) é talvez o povo mais alegre do mundo, mas precisamos e temos que ter seriedade nos nossos propósitos na vida. Alegria e responsabilidade podem caminhar juntas, basta que queiramos.

Assim como Rafael entrou na boate sem medo para resgatar outras pessoas, outros assim o fizeram naquele momento de imensa pressão e angústia. Fica para nós a herança e o dever de resgatar a imagem e a mensagem que eles nos deixaram, de que podemos nos tornar uma sociedade melhor e mais civilizada se assim o quisermos pois não podemos nos dar ao luxo de perder jovens como o Rafael seja na boate, seja no aeroporto ou no trânsito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário