terça-feira, 24 de junho de 2014

A Verdade sempre aparece / Folha do Sul - 23.Junho.2014



A Verdade sempre aparece

Dez anos atrás morria Leonel Brizola (21 de junho de 2004). Nascido em Carazinho - RS em 1922, sua presença na História brasileira ao longo de mais de meio século é marcante. Aliados, adversários e indiferentes concordariam com esta afirmação. Sua liderança, de carisma inegável, foi inegável ao lado de gigantes como Ulysses Guimarães, Juscelino Kubitschek e Teotônio Vilela.
A vida de Leonel foi marcada por amor ao Brasil e aos brasileiros. Suas posições claras de mudanças na estrutura social só lhe custaram problemas. Como todo político tinha seus focos, mas a mudança para uma sociedade melhor sempre foi seu centro de atenções.
O detratores lhe chamavam de “comunista”. Vivendo numa época de um conflito não declarado entre Ocidente e Bloco Comunista, nada mais fácil para se destruir a carreira de um elemento incomodador. Com o fim da guerra fria, aparentemente o discurso dos seus detratores mudou: da acusação de “comuna” passou a ser o “dono de torneiras de ouro”. Suas posições fortes e determinadas sempre foram a liderança esperada pelo povo brasileiro que sempre lhe correspondeu fortemente nas urnas.
Em um debate na TV na campanha para governador do Rio de Janeiro em 1982, perguntou ao candidato apoiado pelo governador qual a sua opinião sobre determinado assunto. A resposta do seu oponente que aquilo era um absurdo e sua clara posição contraria foi prontamente rebatida por Leonel que apresentou documentos mostrando que o governador fazia exatamente aquela política. No confronto entre o político macilento vindo do corredor palaciano e a liderança nascida do embate e da dificuldade, vencia o líder que particularmente naquela eleição, para desespero dos últimos estertores da ditadura, foi eleito governador. Digno de nota que de tudo fizeram para impedir que Leonel se elegesse incluindo fraude (caso Proconsult).
Até hoje foi o único a se eleger governador em dois estados (Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro). Seus aliados políticos incluíram figuras de peso como Darci Ribeiro e mesmo a nível internacional François Mitterrand.
Seu discurso de que é possível nos transformarmos como sociedade continua tão vivo hoje como 50 anos atrás. As mudanças no Brasil passam pela educação. Apenas com educação iremos mudar nossa realidade tão sofrida e tão amesquinhada pelo egoísmo de poucos. Ao ganhar educação, entender o panorama em que se encaixa e a realidade que o cerca, terá o povo brasileiro mais e mais condições de fazer escolhas fora da indução da propaganda enganosa. Mais que isso, como era o discurso central do próprio Brizola, ao tirarmos as pessoas da ignorância, dando cultura e profissão, do ignorante surge o doutor, do analfabeto surge o letrado, e com isso trocamos mão de obra de baixo rendimento por outra altamente qualificada, esta sim capaz de mudar a realidade sócio econômica do pais.
Não são necessárias estátuas nem monumentos para Leonel Brizola. Tal como outros gigantes da História, seu principal monumento é a sua carreira. Mas se alguém se queixar de que todo homem público precisa de tais marcos, não precisamos apontar uma estátua, basta apontar as escolas que ele construiu nos dois estados que governou. Não por acaso escolheu Darci Ribeiro, um dos maiores educadores brasileiros, para ser seu Vice-Governador em 1982. Vitimado por problemas cardíacos aos 82 anos, Leonel hoje repousa ao lado dos homens que foram a sua inspiração ao longo da vida. Foi enterrado em São Borja ao lado dos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart.

domingo, 22 de junho de 2014

Nada mudou / Folha do Sul - 16.Junho.2014



Nada mudou

O noticiário agora é pesadamente colocado sobre a Copa do Mundo. A maior parte das noticias são sobre a competição. Outros fatos são postos a margem dos acontecimentos e das páginas dos jornais. Se um marciano pousasse por aqui, ele provavelmente iria se surpreender com o foco das atenções, totalmente voltados para a Copa. Seria como se mais nada estivesse ocorrendo.
Mas a verdade nua e crua é que a vida continua, na maior parte cruel e inclemente como sempre foi, planeta afora. A pior parte que se pode ver no noticiário está ocorrendo neste exato instante no Oriente Médio. Depois de muita confusão, desculpas esfarrapadas, etc, o governo americano quer ficar bem longe dos problemas do Iraque. Enquanto isso, toda uma guerra civil está a ocorrer em uma região já bastante castigada por conflitos. No Iraque, da década de 80 para cá, ocorreram guerras, invasões, rebeliões, etc. Isso sem contar com o tal envenenamento coletivo na década de 70 causado por inseticidas a base de mercúrio que tinha sido usado em sementes de trigo. Junte-se a isto governos intolerantes, conflitos religiosos, tropas de ocupação estrangeira, etc. e o que fica é uma situação de altíssima instabilidade política. O combustível desta instabilidade sendo o petróleo, do qual o Iraque tem uma grande parte das reservas mundiais.
A principal vítima de toda esta estória sem fim é a população civil que localmente parece estar vivendo em um conflito sem fim. Não importa quem está sendo vitorioso pois pouca diferença faz ser atingido pelas balas da facção A, B ou C. Na atual situação, são xiitas contra sunitas (duas correntes islâmicas). Antes era a invasão americana do Iraque, invasão iraquiana do Kuwait, retomada do Kuwait, guerra Irã-Iraque, bombardeio por armas químicas da própria população e assim por diante. Difícil não imaginarmos o que acontece fora dos jornais tais como assassinatos, estupros, órfãos abandonados, etc. A destruição da infraestrutura local deixando o pais depauperado e todo um povo a mercê dos acontecimentos.
Apenas para lembrar: foi no Iraque, que conhecemos nos livros de história como Mesopotâmia (entre rios em grego), que a civilização surgiu muito tempo atrás. O primeiro império digno do nome foi o do rei conhecido como Sargão. Abraão era desta região antes de emigrar para a Palestina. A narrativa da Torre de Babel se passou ali. Com o advento do Império Islâmico mais de mil anos atrás, Bagdá se tornou o grande centro político, cultural e comercial do mundo medieval. Londres ainda era um pântano e já existia iluminação pública na cidade dos califas. Enquanto a Europa estava imersa na intolerância religiosa da idade média, havia liberdade religiosa para cristãos e judeus na capital dos muçulmanos. A cultura greco-romana antiga foi filtrada pelos árabes para reemergir na Europa do Renascimento.
Com toda esta estória rica, é lamentável ver esta região se imergindo em outro banho de sangue, desta vez com o mundo assistindo a tudo isto de braços cruzados, praticamente na plateia. Certamente compete aos próprios iraquianos decidirem o que querem do seu pais, mas até que ponto o mundo pode assistir a mais outra matança local e achar que está tudo bem? O presidente Obama foi bem enfático em afirmar que os EUA não vão querer se envolver e fora algum apoio de governos vizinhos, mais verbal que outra coisa, pouco está acontecendo, pelo menos oficialmente. De qualquer forma, interferência externa só tende a piorar as coisas, ao apoiar um lado ou outro. Uma situação complexa em que o maior perdedor, como escrevi antes, é a população civil indefesa.
Melhor mesmo talvez seja pensarmos no tal pênalti (ocorreu ou não?) e nas próximas partidas da seleção.

Patriotismo / Folha do Sul - 9.Junho.2014



Patriotismo

Vou confessar uma coisa, algo temerário de ser dito, dependendo do círculo de amigos em que estou. Provavelmente irei até perder alguns amigos, correndo o risco de ser processado pelo governo, podendo até ser expulso do pais, sem perdão. Faço esta confissão ciente da minha culpa no cartório e sabendo que em nenhum tribunal conseguirei me defender ou obter recurso.
Sob grande emoção e ciente das consequências, eu confesso, não privadamente, como tenho feito até hoje, mas para todo o público, e de forma bastante enfática: Não gosto de futebol! Não gosto de assistir na televisão, não tenho a mínima vontade de sair jogando uma pelada com amigos, se tento brincar com a bola, sou um verdadeiro perna de pau, com direito a Taça FIFA de pior do mundo. Acho um jogo chato, sem graça, e em que, muitas vezes, existe suficiente margem para desconfiarmos de “marmelada”. Se alguém duvida desta última afirmação, quero lembrar a final (esta eu assisti) entre Brasil e França (na França), em que a Seleção Francesa ganhou de um time que tinha sido brilhante até ali e que de repente perdeu o brilho, deixando a taça de campeão para nossos amigos europeus e deixando muita gente por aqui sem ter o que dizer.
Algumas coisas estão acontecendo ao meu redor que fazem com que eu tome esta atitude extrema e de tremenda coragem. Uma delas é que a expressão “padrão FIFA” está se tornando parte sarcástica do nosso vocabulário. Hospitais, escolas, infra-estrutura em geral estão muitas vezes em péssimas condições ou com obras atrasadas. Este seria o padrão do nosso dia a dia. Já estádios de primeiro mundo, coisa de uma civilização definitivamente dentro do século 22, estes sim seriam “padrão FIFA”. Nada mais natural que o povo brasileiro, gozador por natureza, escolhesse o termo. A expressão “da lata” surgiu porque anos atrás um carregamento de marijuana (por aqui conhecida como maconha) em lata ia ser apreendido em um navio pela policia marítima ao longo da costa do Rio de Janeiro. Ao verificarem que iriam em cana, os traficantes trataram de se livrar da evidência e jogaram tudo ao mar. Por semanas, até meses, houve busca intensa pelos usuários da droga enlatada pelas praias do Rio de Janeiro e então a expressão entrou para o jargão popular assim como a mais recente. Talvez o povo brasileiro, na sua imensa sabedoria, saiba pelo menos dar nome para as drogas que ele tem que engolir, forçadamente ou não.
 Outra é uma constatação, mas que talvez se reverta nos próximos dias, do fato que não foram colocadas bandeiras em carros ou casas, com algumas (raras) exceções. Talvez isto seja um fenômeno apenas de Bagé, mas um passeio na manhã de sábado pela Avenida Sete e não se vê nenhum carro com uma bandeira brasileira. Um contraste total com anos atrás quando toda uma expectativa existiria em torno da competição e que isto seria assunto de estado. Alias talvez continue sendo assunto de estado, mas o que se vê na televisão são representantes do governo, alguns falando de forma quase gaga, dando explicações do dinheiro (nosso) de impostos que foram gastos nos tais estadios.
Será que porque não botamos bandeiras do Brasil (na copa), seremos menos patriotas? Ou será que o brasileiro, assim como eu, está deixando de gostar de futebol? Não creio em nenhuma das duas. Somos um povo de patriotismo maior que ousamos até confessar e o povo brasileiro não vai deixar de gostar de futebol da noite para o dia. A melhor explicação que se pode dar para este fenômeno de “protesto silencioso coletivo” é que a população não está satisfeita de ter o sentimento de saber que a prioridade do governo são estádios para uma competição de uma instituição (FIFA) que nem brasileira é. Talvez uma reflexão pública pelos nossos governantes do que é realmente importante e prioritário para o pais seria algo de grande sabedoria em vez de desculpas que soam esfarrapadas e parecem no final mais confissões que outra coisa.

Ecologia / Folha do Sul - 19.Maio.2014



Ecologia

No livro do Gênesis na Bíblia, temos a passagem, após a criação do homem, em que são dadas para o casal inicial e para as gerações vindouras, a Terra e seus habitantes, para uso e desfruto. Algumas páginas adiante e temos o capítulo de Noé, onde a maldade do homem, ou seja, a destruição do meio ambiente (e também contra a própria espécie) é posta de maneira enfática. Na antiga sabedoria dos antigos é feita uma colocação de condenação da destruição da natureza e assim dos recursos naturais, teoricamente suficientes para sustentação da espécie humana, mas que usados de forma irracional seriam a fonte (negativamente pelo esgotamento destes recursos) de destruição da espécie que deveria ser a mais racional de todas. O Senhor Noé é posto claramente como um justo (do hebraico “tzadik”) no texto original, mas de acordo com as traduções, este nome pode variar e ele é apresentado no texto como o primeiro defensor da ecologia ao contrario dos seus conterrâneos que apenas queriam destruir o ambiente e os seres ao redor para assim tomar proveito sem limites dos recursos naturais.
Tirando as exigências de exatidão histórica dos que querem interpretar o texto ao pé da letra, temos uma profunda mensagem moral de defesa da natureza e de como o homem pode tirar vantagem da mesma sem agredi-la. Para aqueles que gostam de interpretar a Bíblia em cada palavra, podemos lembrar que muitos povos ao redor do mundo, incluindo tribos indígenas brasileiras, tem estórias semelhantes e que também existe uma camada de lama na região mesopotâmica que aparentemente coincide com o período do texto da Bíblia. Controvérsias a parte, a verdade é que se maltratarmos a Natureza de forma excessiva, a mesma acabara se voltando contra nós. Temos que fazer com que sejamos sócios e parceiros na mesma direção.
Aqui no Brasil um grande caminho foi percorrido. As entidades governamentais são cada vez mais vigilantes e atuantes e a sociedade é também mais e mais consciente do problema. Mas ainda temos muito a fazer. Temos uma das maiores diversidades biológicas do planeta. Como exemplos deste ponto de vista, podemos dizer que mal fazemos ideia do número de medicamentos que podem ser descobertos nesta diversidade, o turismo ecológico está cada vez mais forte e assim por diante. Já vai longe o tempo em que se dizia com muita naturalidade que “poluição era sinônimo de progresso”.
Numa terra de grandes florestas e ambientes ecológicos diversos, precisamos cada vez mais pensarmos na mensagem da passagem de Noé. Uma vez extinta uma determinada espécie, a não ser por um milagre, teremos perdido parte de nossa herança, e a nossa herança em termos de Natureza é com certeza uma bênção de Deus.

Racismo / Folha do Sul - 5.Maio.2014



Racismo

A origem do homem, até onde vão os achados arqueológicos, foi na África. Mesmo a diversidade genética é maior na população deste continente, indicando que a espécie humana está ali presente há mais tempo que em outros continentes. Em comparação, a presença do homem na América aparentemente tem menos de 20.000 anos e é exatamente na população nativa americana que temos a menor variação de genes. Esta variação é no entanto bastante pequena e dentro do conceito biológico continuamos a mesma espécie em todo o globo. As variações reais porventura existentes são também muito pequenas para serem de qualquer importância. Diferenças religiosas também são difíceis de serem distinguidas. Fora os simbolismos, todas as religiões modernas tem praticamente os mesmos conceitos baseados em Amor e Respeito pelo próximo.
Existem correntes de pensamento econômico em que se coloca a tese de que o preconceito, seja de cor, religião, etc, é usado por parte do sistema econômico para com isso manter um exército de mão de obra barata. Isto na verdade é mais antigo que pensamos. A palavra slave (escravo em inglês) vem do nome étnico “eslavo” pois era na região onde hoje se encontra a Rússia que os Vikings entravam mil anos atrás para capturar escravos e vende-los nos mercados árabes. Muitos povos usaram isso para justificar dominação sobre outros. Romanos sobre bárbaros germânicos, portugueses, espanhóis. ingleses, etc, sobre populações africanas e nativas das Américas, etc. Finalmente tivemos neste século o uso da ideologia nazista para justificar a escravização e extermínio de judeus e ciganos na Europa. O fim pelo menos oficial deste tipo de prática (de discriminação) é um grande passo na história da humanidade. As lutas políticas e sociais ao longo dos últimos cem anos tiveram como pano de fundo uma melhor relação entre os seres humanos para que estas diferenças se tornem coisa do passado. A luta pelos direitos civis nos Estados Unidos tem muito a ver com este desenvolvimento.
Também é importante salientar que todos os povos tiveram ou tem momentos de grandeza que hoje podemos perceber numa perspectiva histórica mais ampla. Culturas riquíssimas tem origem em etnias que tiveram momentos de grandezas mas também momentos de depressão. Nada mais exemplar da nossa origem comum como seres humanos.
A continuação de um racismo escondido é algo a ser combatido. Na verdade os racistas se tornam cada vez mais uma minoria incomoda e isolada numa humanidade que se quer melhor. Alguem que tenta diminuir outra pessoa por causa de cor, origem étnica ou religião demonstra apenas ter na verdade inveja de quem tenta atingir. Ficariam melhor se guardassem a inveja e o rancor para si.
As palavras de Martin Lutter King ainda ecoam tão verdadeiras hoje como há cinquenta anos atrás: o sonho de irmandade entre as pessoas tendo como base a nossa origem comum, que cor da pele ou crença social não sejam mais barreiras de ódio para dividir as pessoas e as comunidades.
Resta apenas esperar que o sistema legal atue no sentido de reprimir este tipo de comportamento pois não basta a consciência social. Tivemos aqui no Brasil muito progresso nesta area mas ainda há muito a ser feito. As ofensas recentes em um campo de futebol são a ponta de um iceberg que precisamos saber desnudar e enfrentar se nos pretendemos como uma sociedade melhor e realmente exemplo e luz para o mundo.