segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Justiça / Folha do Sul - 30.Dezembro.2013



Justiça

Um governo democrático moderno é calcado em três poderes teoricamente independentes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Pergunte a qualquer cidadão na rua em qual dos três ele mais confia. Apesar das queixas sobre morosidade e outros problemas, a grande maioria irá certamente apontar o Judiciário como o de maior credibilidade. Instituições como Ministério Público, Justiça Federal, Justiça do Trabalho, etc são vistas hoje pela população como órgãos de defesa da sociedade em geral e do cidadão em particular. O trabalho de juízes, promotores, agentes de justiça, etc, é de tremenda importância para a manutenção da civilização na comunidade.
Problemas existem nos três poderes, mas felizmente nossas instituições estão evoluindo. Com o fim da ditadura, reconquistamos o direito de votar em quem quisermos, mas uma sociedade livre é também regida por leis. Muito já se disse sobre as leis brasileiras. Nosso problema não é um edifício jurídico, mas a aplicação do mesmo. Um grande esforço tem sido feito pelo Jurídico no sentido de sanar as nossas deficiências. Hoje o cidadão comum sabe onde ir quando sente que seus direitos estão sendo atingidos pela arbitrariedade de outrem.
Mais do que nunca o trabalho dos juízes se torna importante. Um juiz não é um ditador. Suas sentenças tem que ser calcadas na lei. A chamada morosidade na Justiça não é um “privilégio” brasileiro mas do mundo todo. Muitas razões existem para isso, mas uma das mais importantes é que qualquer decisão do Judiciário tem que ter respaldo legal e isto sempre demanda tempo. Para efeito de comparação, uma sentença em países do extremo oriente pode levar até 50 anos, passando de geração para geração.
Aqueles que se sentem atingidos pelo Judiciário sabem que existe Conselho Nacional de Justiça, Corregedorias, etc. O embate entre os três poderes, particularmente entre o Judiciário e o Executivo é tão antigo quanto a Revolução Francesa. Mais do que qualquer outro, o Judiciário tem suas limitações impostas exatamente pelas leis que este importante poder tem a função de cuidar. A fiscalização e cuidado com as decisões jurídicas é central em qualquer sociedade civilizada moderna. Para o cidadão comum, não importa partido, personalismos, ideologia, etc, o importante é que a lei seja aplicada e seguida dentro de regras claras, usando instrumentos tais  como direito de defesa amplo, provas concretas, contraditório, etc. Felizmente hoje todos estes direitos são assegurados no Brasil pela Constituição.
Quando vemos a ciranda de escândalos, o mau uso do dinheiro público, e a eterna ladainha do “eu não sei”, “eu não fiz”, “sou inocente”, ficamos sem outra trincheira além exatamente do Judiciário. O cidadão sabe que no final quem irá pagar a conta é ele mesmo na forma de impostos, diretos e indiretos, e nada mais natural que cobrar seriedade dos gestores da coisa pública. Alias conversa de se dizer sem culpa, injustiçado, achincalhar o Judiciário e não dizer nada realmente sólido (com provas concretas) parece com aquelas conversas de almoço nos filmes de penitenciaria: ali todos são inocentes.
Alguma dúvida sobre o sentimento popular? Apenas pergunte a qualquer pessoa na rua sobre de quem seria o seu voto espontâneo para presidente nas próximas eleições do ano que vem. Eu não ficaria surpreso se a imensa maioria respondesse com o nome do Sr. Joaquim Barbosa (presidente do Supremo Tribunal Federal).

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Renovação / Folha do Sul - 24.Dezembro.2013



Renovação

Fim de ano. O tempo parece voar pois foi como ontem que estávamos celebrando o Natal de 2012. No nosso racionalismo prático de seres “modernos”, celebramos, arrumamos nossas casas e locais de trabalho, fazemos um balanço pessoal e também planejamos como irá ser o novo ano que se inicia. O símbolo natalino está mais do que nunca representado na estória do nascimento de um menino em um lugar humilde. Mais do que nunca é nesta época que se torna importante aterrissarmos do nosso orgulho moderno para este balanço que deveria ser muito mais espiritual que material.
O reencontro com amigos e familiares, muitos dos quais não vemos há muito tempo é parte desta grande celebração. Presentes são trocados, ceias são celebradas e mais do que nunca temos um espírito diferente em nós, um espírito de paz e boa vontade.
As luzes nas casas, o estilo das músicas, a alegria desta parte do ano, enfim tudo que cerca esta celebração faz com que ela seja sempre lembrada ao longo do ano como algo feliz e especial. O Espírito de Natal faz assim parte do nosso ethos social, parte intrínseca da alma da sociedade.
Renovação, reflexão e planos para o futuro. Tudo isto é na verdade algo muito ambicioso pois a intenção é que no ano vindouro pretendemos ser melhores e ir mais longe que no ano que se encerra. Para se atingir patamares mais altos necessitamos de menos orgulho e mais humildade, enfim precisamos nos despir de nossas armaduras artificiais e nos tornar seres humanos repletos de simplicidade de novo, olhando para o/a nosso/a companheiro/a ao lado como outro ser humano, tão igual a nós e tão digno de respeito como nós mesmos. Mais do que nunca, uma melhor sociedade deve ser calcada no respeito de uns pelos outros. Esta é a humildade, realçada na mensagem do Natal, e é através dela que podemos alçar voos maiores, de entendermos a mensagem, dita em qualquer religião, de amor e respeito pelo próximo.
Numa sociedade imersa em valores materialistas e egoístas, mais do que nunca precisamos desta mensagem natalina, como diria John Lennon: and so this is Christmas, and what have you done? (e portanto estamos no Natal e o que você fez?
Aproveito para desejar para os meus leitores, meus colegas na Folha do Sul, colegas e alunos na Universidade Federal do Pampa e enfim a todos os amigos:  Boas Festas e um Ano Novo repleto de coisas boas e plenas. Vamos imaginar, acreditar e trabalhar para, como na outra música do John Lennon, termos um mundo melhor.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Crise, Oportunidade e Esperança / Folha do Sul - 16.Decembro.2013



Crise, Oportunidade e Esperança

Cerca de dois anos atrás, através de uma palestra na Câmara dos Vereadores de Bagé, divulguei a ideia de um Polo Carboquímico em Candiota. Eu já tinha lançado esta ideia em palestras na própria Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e para a Prefeitura de Candiota. Depois disso muita água passou debaixo da ponte. A ideia que a principio parecia para alguns fora do contexto, e para outros completamente insana, ganhou vida e forma. Hoje se  tornou talvez a grande saída para a crise que o setor carbonífero está se defrontando.
O ideograma chinês para crise é o mesmo que para oportunidade. Este é o contexto que hoje nos defrontamos com os leilões de energia. Além dos obstáculos que são postos sob o título “ambiental”, também está bem claro que a energia do carvão está mais cara que outras alternativas: hidráulica a R$ 95/MWh e eólicas a R$ 119,03/MWh. Para efeito de comparação, R$ 144/MWh não seria um valor viável para termelétricas a carvão. Com o fim, pelo menos por enquanto, destes leilões, tem-se uma situação de crise, sem que nenhum empreendimento a carvão tenha sido contemplado. Mas como no ideograma chinês, a crise também significa oportunidade.
O carvão de Candiota apresenta características extremamente adequadas para o processo de gaseificação, que é o ponto de partida em qualquer processo moderno para aproveitamento do carvão na obtenção de produtos normalmente petroquímicos. Novos interesses estão aparecendo, tanto nacionais como estrangeiros para uso do carvão usando esta rota. Isso agora começa a parecer como o grande caminho pois o uso do carvão na carboquímica permite um aproveitamento econômico muito melhor, além de gerar menos resíduos.
A alavancagem política começa a dar frutos, frutos poderosos. Na viagem do governador Tarso a China estiveram também o prefeito de Candiota, Sr. Luis Carlos Folador e representantes da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI). Um elogio deve ser feito em particular ao prefeito Folador: seu apoio ao projeto foi integral desde o primeiro momento que lhe foi apresentado o projeto na UNIPAMPA, quando muitos duvidavam da exequibilidade do mesmo projeto. Graças ao prefeito Folador e seu comprometimento, tanto político como pessoal, o projeto ganhou asas e hoje aparentemente tem voo próprio, distante dos corredores acadêmicos.
Com o lançamento econômico político do projeto de um Polo Carboquímico, novos caminhos e rumos poderão ser traçados e assim, como já foi dito e repetido, mudanças, positivas e alavancadoras de progresso, estarão a caminho para a nossa região.
Talvez esta seja a maior contribuição que uma instituição como a UNIPAMPA pode trazer para a região, além, é claro, da formação de jovens: novas ideias, não apenas uma ou outra ideia de impacto, mas todas as ideias que pessoas que passaram anos se debruçando em estudos e pesquisas podem trazer para cá. Para estas ideias, de mudanças, de novos rumos, apenas um nome pode significar tudo: Esperança.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Polo Carboquímico / Folha do Sul - 8.Dezembro.2013



Polo Carboquímico

Está nas principais páginas dos jornais. O governo gaúcho assinou com os chineses um memorando de entendimento para que possa ocorrer uma parceria tecnológica na área do carvão mineral. Além da area de mineração, tem um destaque especial a parte de processamento do carvão, leia-se gaseificação e liquefação do mesmo. Atualmente o principal uso do carvão gaúcho, praticamente o único, é a queima direta para a produção de energia. A assinatura de tal memorando sinaliza que o governo do estado está mais do que consciente do grande potencial do nosso carvão. O domínio da tecnologia de gaseificação significará também a viabilização do uso do gás de síntese (resultante da gaseificação) na produção de energia e carboquímicos (metanol, amônia, polietileno, polipropileno, ureia, etc).
O grande pulo de desenvolvimento chinês nos últimos 30, 40 anos fizeram com que a produção de energia fosse um dos mais alavancados. A produção de eletricidade é gigantesca (mais de 1000 GW), 10 vezes a brasileira, e mais de 60% disto é obtido pela queima do carvão mineral. A grande vantagem chinesa na área não é apenas o gigantismo dos seus números, mas os avanços tecnológicos que naturalmente tendem a ocorrer lá. O programa de modernização da indústria carbonífera chinesa dá uma grande ênfase no aspecto ambiental. Certamente, até por causa de similaridades históricas, a parceria Brasil – China possui aspectos sinergéticos importantíssimos.
O avanço na absorção da tecnologia da gaseificação (e também da liquefação) significa uma melhor adequação das opções que a indústria possui hoje tanto na área de energia como de matéria-prima. Um exemplo imediato na nossa região é a indústria cerâmica. Possuímos argila de primeiríssima qualidade, argila esta que está entre uma camada e outra do carvão de Candiota. Na falta de compradores, esta argila é depositada de volta na mina. A possibilidade do uso desta argila criaria toda uma sequência de acontecimentos políticos e econômicos que são de difícil previsão. A possibilidade de obtenção de carboquímicos, que hoje são obtidos por via petroquímica, tais como o metanol, eteno, ureia, etc, geraria toda uma cadeia de eventos e interesses cujo único paralelo histórico seria talvez a instalação do polo petroquímico de Camaçari na Bahia.
O aspecto ambiental e o energético também seriam afetados numa escala sem precedentes na história da região. Uma maior eficiência na produção de energia com menos poluição, alias pelo contrario, com um melhor uso dos “resíduos” traria por si só benefícios tremendos. Coloco “resíduos” entre aspas pois os considero muito mais como matérias primas valiosas do que como problemas ambientais.
Aparentemente, pelo que foi publicado, está prevista a instalação de uma planta piloto para gaseificação no município de Candiota. Outros atores estão despertando para isto, incluindo empresas estrangeiras (não chinesas) e uma nacional. A empresa nacional também pretende instalar uma usina de energia, baseada em gaseificação e célula de combustível. Uma célula de combustível é um dispositivo em que eletricidade é produzida eletroquímicamente a partir do gás de síntese, evitando-se assim os desperdícios de um motor de combustão interna.
Carvão, carboquímica, polo cerâmico, aumento da produção energética, etc. Todo este desenvolvimento irá trazer consequências nas áreas de comércio e serviços. Certamente a estrutura política sofrerá modificações, para melhor. Mais pessoas, mais dinheiro circulando trarão inevitavelmente estas mudanças. Com as mudanças que já ocorrem na área agropecuária (soja, vinicultura, oliveiras, etc), uma nova mudança (para melhor) no Pampa Gaúcho está a caminho catalisada pela assinatura de um acordo em Porto Alegre.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Parlamento / Folha do Sul - 2.Dezembro.2013



Parlamento

A ideia de três poderes independentes é relativamente recente, datando da época das revoluções Americana e Francesa, no final do século 18. Mas sempre existiram câmaras de debates e de votações de leis desde a antiguidade. O senado romano e cartaginês são exemplos destas instituições. Mesmo a presença de um rei ou imperador não iria prescindir de tal instituição, por maior que fosse o poder de tais monarcas. Mas a força política pequena do legislativo e a dependência em relação ao monarca sempre foram fatores que deixaram margem a desmandos do poder executivo, ou seja do monarca. Conhecidos são particularmente as atitudes dos imperadores romanos que muitas vezes pouco caso faziam do Senado. Calígula chegou ao extremo de nomear seu cavalo favorito senador, aparentemente com pouca resistência da “oposição”. De qualquer forma protestar nesta situação apenas levaria ao premio de ser decapitado. A decapitação “rápida” era reservada aos cidadãos romanos, enquanto que a crucificação lenta e dolorosa era para os não romanos.
Com o advento do Iluminismo e das revoluções que se seguem, os parlamentos passam a ter função importantíssima dentro das modernas democracias. Os governos democráticos, tanto republicas como monarquias que se multiplicam, inicialmente na Europa e mais tarde mundo afora, ao longo do Século 19 se veem forçados a ter estas instituições sobre o risco de não haver legitimidade para os atos do governo. Governos ditatoriais sempre querem fechar estas casas, ou pelo menos tê-las sob controle. Um parlamento combativo, com debates e discussões eh sintoma evidente de uma democracia forte. Um parlamento em que pouco se discute e que os atos do legislativo são aprovados quase sempre “por unanimidade” e sem maiores problemas são indícios de falta de liberdade política ou pelo menos de um executivo desproporcionalmente forte em relação ao legislativo.
Nos dias de hoje muitos são aqueles que falam que tem ‘saudades” da ditadura, ou que prefeririam ver o Congresso fechado. Mas a maioria nem mesmo se apercebe do que está dizendo. Querer apedrejar o parlamento sem no entanto entender como as forças políticas funcionam eh como tentar matar uma mosca com um tiro de canhão, provavelmente a mosca irá morrer mas vai levar junto muito mais.
Nossa câmara dos vereadores em Bagé é um bom exemplo da necessidade de uma casa de debates legislativos. Certamente muito é debatido ali, tanto a situação como a oposição são atuantes e combativas, com varias discussões sendo muitas vezes veiculadas pela imprensa. Podemos assim ter certeza de que pelo menos em parte, varias das demandas e queixas da população são com certeza conhecidas pelo executivo que não pode assim se eximir de suas responsabilidades. Como diria Churchill: a democracia eh um sistema horrível mas ainda não inventaram nada melhor.