A Ilha
Numa América Latina sofrida e cheia
de mazelas, somos fruto de um colonialismo distorcido. Tanto Portugal como
Espanha tinham aqui apenas a intenção de levar as riquezas e de exercerem
controle absoluto sobre a sociedade local. Durante três séculos esta foi a
nossa realidade. Quaisquer indícios de rebelião ou até mesmo o mais simples
protesto seria afogado em sangue. Os historiadores arranjaram uma maneira
elegante de descrever isto: dois tipos de colonização, de exploração (Américas espanhola
e portuguesa) e de colonização (inglesa e holandesa). Isso soa como se a vida
fosse uma maravilha nas colônias britânicas, futuros Estados Unidos. Obviamente
que tudo era difícil, para todos, sem exceção. Mas no fim do Século XVIII, com
as revoluções americana e francesa, e as guerras napoleônicas, os impérios de
ultramar de Espanha e Portugal se desmancham. Enquanto a América espanhola se
desfaz em inúmeros pedaços, nossa unidade foi mantida a ferro e fogo pela elite
portuguesa, trazida para cá com a vinda de D. João VI, que aqui chegou fugindo das
tropas napoleônicas. Com a independência se tornando a norma numa nova América
Latina no inicio do século XIX, as antigas estruturas se mantém, mas agora com
o poder sendo exercido localmente. O vácuo deixado pela saída dos países
ibéricos é preenchido inicialmente pela Inglaterra e depois pelos EUA, que
preferem manter uma área de influência comercial e política, sem se imiscuir de
forma “colonial” nos problemas locais.
Após um século, estoura a revolução
mexicana, Pancho Vila e Emiliano Zapata são os novos caudilhos de uma mudança
que se torna inevitável. Depois deles, por muitas décadas, o Partido
Revolucionário Institucional será o novo guia da política mexicana. Muita coisa
mudou, mas outras ficaram no mesmo lugar. Meio século depois, é a vez de Cuba
se rebelar contra as forças conservadoras. A falta de apoio popular é tão
grande que um pequeno grupo maltrapilho de guerrilheiros consegue derrotar
forças muito maiores do governo e instala uma nova forma de governo na ilha
caribenha. Para espanto do mundo em geral e dos seus vizinhos em particular, o
novo governo se diz, por fim, comunista e marxista.
Pouca atenção é dada até hoje ao fato
de tanto o México como Cuba estarem geograficamente do lado dos EUA, com um
fluxo imenso de pessoas, de mercadorias e de idéias, principalmente idéias.
Seres humanos são movidos por idéias! Então a ideia de poder mudar uma
realidade, a ideia de poder fazer isso simplesmente, não poderia deixar de ser
percebida pelos mexicanos e cubanos pelo exemplo do vizinho.
Um pais comunista como Cuba, numa
realidade conservadora e bastante fechada como a América Latina, teve ondas de
repercussão que ecoam até hoje. A onda de exilados nos EUA, invasão da baia dos
porcos, a crise dos mísseis russos, etc. No meio desta confusão toda, quebra de
relações com os EUA.
Mesmo o elemento mais conservador não
poderá deixar de refletir na coragem dos revolucionários cubanos, na vontade de
querer mudar. Numa Cuba que hoje precisa de mais mudanças para o futuro, com
certeza seus heróis são de uma natureza diferente dos heróis que temos no resto
da América Latina. Deixo para o leitor se estes heróis são anjos ou demônios.
Lamentavelmente, muito do que se esperava da revolução cubana acabou se concretizando
ao contrario. Novamente deixo ao leitor as conclusões sobre esta experiência
histórica, diferente de tudo nesta nossa América Latina, tão rica e ao mesmo
tempo tão sofrida.
A iniciativa do presidente norte-americano
Obama com a intermediação do papa Francisco de restabelecimento diplomático,
após meio século, não deixa de ter seu tom pitoresco (o presidente é negro e o
papa argentino). Será o fim de uma situação de atrito desnecessária para todos.
O fim das resistências a estas idéias de reconciliação sinalizam para uma
mudança que se espera seja para melhor.