quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A Ilha / Folha do sul - 29.Dezembro.2014

A Ilha

Numa América Latina sofrida e cheia de mazelas, somos fruto de um colonialismo distorcido. Tanto Portugal como Espanha tinham aqui apenas a intenção de levar as riquezas e de exercerem controle absoluto sobre a sociedade local. Durante três séculos esta foi a nossa realidade. Quaisquer indícios de rebelião ou até mesmo o mais simples protesto seria afogado em sangue. Os historiadores arranjaram uma maneira elegante de descrever isto: dois tipos de colonização, de exploração (Américas espanhola e portuguesa) e de colonização (inglesa e holandesa). Isso soa como se a vida fosse uma maravilha nas colônias britânicas, futuros Estados Unidos. Obviamente que tudo era difícil, para todos, sem exceção. Mas no fim do Século XVIII, com as revoluções americana e francesa, e as guerras napoleônicas, os impérios de ultramar de Espanha e Portugal se desmancham. Enquanto a América espanhola se desfaz em inúmeros pedaços, nossa unidade foi mantida a ferro e fogo pela elite portuguesa, trazida para cá com a vinda de D. João VI, que aqui chegou fugindo das tropas napoleônicas. Com a independência se tornando a norma numa nova América Latina no inicio do século XIX, as antigas estruturas se mantém, mas agora com o poder sendo exercido localmente. O vácuo deixado pela saída dos países ibéricos é preenchido inicialmente pela Inglaterra e depois pelos EUA, que preferem manter uma área de influência comercial e política, sem se imiscuir de forma “colonial” nos problemas locais.
Após um século, estoura a revolução mexicana, Pancho Vila e Emiliano Zapata são os novos caudilhos de uma mudança que se torna inevitável. Depois deles, por muitas décadas, o Partido Revolucionário Institucional será o novo guia da política mexicana. Muita coisa mudou, mas outras ficaram no mesmo lugar. Meio século depois, é a vez de Cuba se rebelar contra as forças conservadoras. A falta de apoio popular é tão grande que um pequeno grupo maltrapilho de guerrilheiros consegue derrotar forças muito maiores do governo e instala uma nova forma de governo na ilha caribenha. Para espanto do mundo em geral e dos seus vizinhos em particular, o novo governo se diz, por fim, comunista e marxista.
Pouca atenção é dada até hoje ao fato de tanto o México como Cuba estarem geograficamente do lado dos EUA, com um fluxo imenso de pessoas, de mercadorias e de idéias, principalmente idéias. Seres humanos são movidos por idéias! Então a ideia de poder mudar uma realidade, a ideia de poder fazer isso simplesmente, não poderia deixar de ser percebida pelos mexicanos e cubanos pelo exemplo do vizinho.
Um pais comunista como Cuba, numa realidade conservadora e bastante fechada como a América Latina, teve ondas de repercussão que ecoam até hoje. A onda de exilados nos EUA, invasão da baia dos porcos, a crise dos mísseis russos, etc. No meio desta confusão toda, quebra de relações com os EUA.
Mesmo o elemento mais conservador não poderá deixar de refletir na coragem dos revolucionários cubanos, na vontade de querer mudar. Numa Cuba que hoje precisa de mais mudanças para o futuro, com certeza seus heróis são de uma natureza diferente dos heróis que temos no resto da América Latina. Deixo para o leitor se estes heróis são anjos ou demônios. Lamentavelmente, muito do que se esperava da revolução cubana acabou se concretizando ao contrario. Novamente deixo ao leitor as conclusões sobre esta experiência histórica, diferente de tudo nesta nossa América Latina, tão rica e ao mesmo tempo tão sofrida.
A iniciativa do presidente norte-americano Obama com a intermediação do papa Francisco de restabelecimento diplomático, após meio século, não deixa de ter seu tom pitoresco (o presidente é negro e o papa argentino). Será o fim de uma situação de atrito desnecessária para todos. O fim das resistências a estas idéias de reconciliação sinalizam para uma mudança que se espera seja para melhor.

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