segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Para todos os gostos / Folha do Sul - 25.Agosto.2014



Para todos os gostos

Após longos quatro anos estamos de volta a uma eleição majoritária. Os cargos disputados incluem deputado estadual e federal, senador, governador e o mais ambicionado de todos, a vaga de presidente da república. A campanha já está na rua, ou melhor, na televisão. O horário eleitoral gratuito acaba se tornando o anti-horário pela chatice e mesmice. Digo isto independente de partido ou candidato. Alias quero deixar bem claro que a minha posição pública nesta eleição será da mais absoluta neutralidade e se neste artigo existirem critica ou elogios, peço desculpas, mas estes são para todos, independente de partido, ideologia, passado, etc.
Se o leitor se der ao trabalho de procurar na internet “Guri de Uruguaiana” e “candidato”, irá encontrar os vídeos parodia que o nosso grande humorista faz desta situação de campanha. Ele se apresenta como o grande candidato (ou anti candidato) do partido da língua do pê, com promessas como cavalo-via, chimarrão para todos, trem bala de Porto Alegre para as praias, etc. Seu vice foi escolhido pela altura, pois é mais baixo que ele. Ele nunca consegue dizer seu número ao fim do programa. O risco de se anunciar este número, claramente fictício, é que muitos iriam votar nele, o chamado voto de protesto.
Enquanto isto a campanha continua na televisão. Todos se dizem maravilhosos e ótimos, de passados impecáveis, e as promessas de casa, comida e roupa lavada continuam, cada uma mais mirabolante que a outra. O eleitor certamente fica confuso no meio de tantos nomes, propostas e partidos. O Guri de Uruguaiana está certo em pertencer ao partido da língua do pê, assim ele simplifica esta colcha de retalhos. Considerando-se que entre as propostas dos candidatos reais temos o calote interno e externo da dívida pública, a revolução e queda do regime, a manutenção da situação atual “pois estamos no caminho certo”, programas sociais de todo tipo, etc, a cavalo-via do Guri de Uruguaiana não soa tão extravagante assim. Stanislaw Ponte Preta deve estar se rolando no seu túmulo de tanto rir (nome artístico de Sérgio Porto, autor do, entre outras obras, FEBEAPÁ – Festival da Besteira que Assola o Pais).
Fico aqui a me perguntar se os candidatos levam a sério o que estão dizendo na televisão. Não me refiro ao candidato A, B ou C. Estou me referindo a todos eles. Alguns se referem a situações que sabemos inexistentes, outros prometem coisas sem nenhuma chance de serem feitas, e assim por diante. E a quantidade de candidatos, partidos, propostas e contrapropostas são de deixar tonto qualquer um.
Em cima de tudo isto, com os índices de rejeição que a política costuma ter normalmente entre os brasileiros, nada mais natural que apareçam os anticandidatos, ou candidatos de protesto, hoje tornados impossíveis com a urna eletrônica. O macaco Tião no Rio de Janeiro e o rinoceronte Cacareco em São Paulo costumavam ter um índice bem alto nas urnas. Muitas vezes a população escolhe um determinado candidato não pelo seu currículo ou proposta mas como uma forma de protesto. Protesto silencioso, é verdade, mas protesto.
Por incrível que possa parecer para os políticos, as necessidades básicas que todos querem são saúde, educação, segurança, infraestrutura e a possibilidade de poder trabalhar e gerar a riqueza que sustentará isto tudo além, é claro, dos próprios políticos. Acordar, trabalhar duro, chegar em casa, ver a família feliz e voltar a dormir com tranquilidade são demandas universais e o povo brasileiro nunca se negou a trabalhar com o afinco necessário para construir um pais melhor.
O momento, mais do que nunca, é de debate, de como iremos querer nosso pais no futuro próximo. Somos livres para fazer nossas escolhas, inclusive as eleitorais, boas ou ruins, mas seremos prisioneiros das consequências das mesmas nos próximos quatro anos.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Política e Tragédia / Folha do Sul - 19.Agosto.2014



Política e Tragédia

Política e tragédia parecem andar de mãos dadas. O vácuo deixado na passagem de eventos trágicos, provocados ou não, é sempre difícil de ser medido. O que teria acontecido se um determinado líder não tivesse morrido repentinamente? A História, não só a brasileira, está cheia destas situações. Alguns personagens centrais de tragédias que abalaram profundamente o desenrolar dos acontecimentos estão presentes no subconsciente coletivo de tal forma que muitas vezes uma época da História de um determinado pais é lembrado pelo nome destes lideres.
O suicídio de Getúlio Vargas em 1954 é lembrado até hoje, mais de meio século, como um acontecimento tão marcante que muitos historiadores acreditam que o golpe militar de 1964 foi adiado por dez anos tal o impacto da atitude extrema do presidente. O movimento tenentista só conseguiria impor sua ideologia ao pais após uma grande diluição do legado que Vargas deixou.
O assassinato de Lincoln, o falecimento de Roosevelt e o (também) assassinato de John Kennedy e a profunda consternação coletiva resultante são exemplos na História Norte Americana de que não é um “privilégio” nosso que lideres sejam vistos com tanta importância que toda uma época seja lembrada ligada ao nome deles. Lincoln será sempre lembrado como o libertador dos escravos nos EUA e o líder que manteve o pais livre de uma separação dos estados do sul, o nome de Roosevelt estará sempre ligado à saída da Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial e o fim da crise dos misseis em Cuba sem que o planeta tivesse sido incendiado por uma guerra nuclear é talvez o maior legado da administração Kennedy.
Aqui no Brasil tivemos a morte de Tancredo Neves como um episódio com paralelo apenas na morte de Vargas. Todo o pais praticamente parou para ver o presidente que tanta esperança tinha dado ao povo após 20 anos de obscurantismo ser levado ao seu repouso final.
A morte do Senhor Eduardo Campos não tem talvez o mesmo impacto que outros personagens mas certamente fica a pergunta sobre o que poderia ter acontecido se a tragédia não tivesse se abatido sobre o candidato. Uma pergunta sem respostas. O Brasil como um todo fica mais empobrecido com a saída de cena deste personagem em um momento crítico como é qualquer disputa eleitoral. Mas pelo clima de tristeza e consternação em Pernambuco é possível ver que a perda para o pais é talvez irreparável.
Ainda na ante véspera da campanha eleitoral, pouco foi debatido sobre este ou aquele candidato, mas com a atenção despertada pela tragédia, pode-se ver o Senhor Campos dentro da perspectiva histórica ainda que com a visão distorcida pela emoção do momento. O trabalho de Campos como governador de Pernambuco seriam seu melhor cartão de visitas para a proposta de trabalho que ele iria apresentar ao povo brasileiro. O exemplos mais expressivos são talvez a fábrica da Fiat e a Refinaria da Petrobras. Seus investimentos em ensino básico tais como aumento no salário dos professores e a oferta de bônus por desempenho mostram que o administrador Campos era muito mais que outro político de promessas vagas na área educacional, que tem sido o nosso gargalo na construção de uma sociedade realmente dinâmica. O setor industrial de Pernambuco que antes da sua administração era de 10% hoje é 25%. Decididamente os pernambucanos tem motivo de sobra para o clima de tristeza no estado.
Resta para nós, cidadãos e também eleitores, a esperança que o falecimento do senhor Campos sirva para pelo menos termos uma campanha de alto nível e após a eleição ficarmos com uma administração a altura de um Brasil moderno como é a esperança da maioria das pessoas.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O Cala Boca / Folha do Sul - 11.Agosto.2014



O Cala Boca

Retiro esta do dicionário on-line de português: “Censura s.f. Exame crítico de obras literárias ou artísticas; exame de livros e peças teatrais, jornais etc., feito antes da publicação, por agentes do poder público”. A palavra é de origem latina onde o censor seria o elemento encarregado de aplicar a mesma. A censura seria assim uma maneira de coibir a liberdade de expressão e assim limitar a difusão do conhecimento através de uma determinada comunidade. Normalmente este tipo de coibição é utilizado por regimes ditatoriais, mas dependendo do nível de democracia de um determinado pais, formas de censura, muitas vezes camufladas, podem estar presentes.
As consequências a nível histórico são por demais conhecidas pois a falta de informação leva uma massa humana ficar subordinada aos desígnios dos poderosos, sem conhecimento dos seus direitos, muitas vezes básicos. O acesso à informação produz um povo consciente e informado e isso tira poder dos controladores de decisão que precisam minimamente prestar algum tipo de contas para a população.
A ditadura brasileira durou 20 anos e usou e abusou da censura. Sem internet e com facilidade de controle dos meios de comunicação existentes (rádio, tv, jornais, etc), foi muito fácil determinar o que poderia ou não ser de conhecimento do público. Os órgãos de comunicação eram monitorados de perto pelo “Conselho Superior de Censura” e ai de quem não ficasse na linha. Artistas foram particularmente visados e acabaram indo ou para a prisão ou para o exílio. Nomes que incluem Caetano Veloso, Elis Regina, Milton Nascimento, Chico Buarque, etc. Até mesmo Sófocles (autor grego da antiquidade) esteve sob a mira da tesoura, e teria ido mesmo em cana não tivesse morrido em 406 a.C. por causa da sua peça Édipo Rei. Com o passar do tempo, o caráter cada vez mais ridículo desta forma de arbítrio aumentava. Um dos casos mais hilários ocorreu com o Sr. Nelson Silva, redator chefe da revista Veja que entrou numa sala de embarque carregando o livro “Trotski, o Profeta Armado”. Ao ser abordado por um censor, tomou um susto e  pensou que iria certamente em cana, mas o censor ao olhar o livro apenas disse que também era religioso...
A necessidade de vigilância sobre o sistema, não sobre os cidadãos, é vital para que possamos manter a integridade e a civilidade na nossa sociedade. O fim da censura nos anos 80 não quer dizer que não possa existir um retorno da mesma disfarçada de inúmeras formas. Censuras ditas judiciais como a que se abateu sobre o jornal “O Estado de São Paulo” quando da denúncia (junho 2009) de que o mordomo de Roseana Sarney seria empregado do Senado com salário de 12.000 reais são uma prova de que, de formas ainda que vagas e escondidas, ainda estamos com uma censura, talvez mais leve, mas censura. Aqueles que detém o poder sempre vão estar na tentação de querer encobrir os fatos negativos que possam ser deletérios para a sua imagem, por piores que sejam as consequências. Quando estas acontecem, o padrão dos donos do poder é dizer “que nada sabiam”.
A liberdade de expressão é garantia constitucional mas na prática muitas pessoas tem medo de externar a sua opinião por temor a represálias e mesmo para jornalistas tarimbados é muitas vezes necessária coragem para expor a verdade. Um exemplo da magnitude disto pode ser medido por quantas tragédias não poderiam ter sido evitadas (desastre em Congonhas, incêndio da Boate Kiss, etc) se a verdade tivesse sido externada antes. De nada adianta a presença de políticos que aparecem somente depois que os fatos ocorreram para reconfortar as famílias das vítimas. De que adianta termos processos e mais processos para encontrar culpados se o sistema se mantém basicamente o mesmo e pronto para agarrar novas vítimas.
A verdade é que governos não gostam de ser cobrados, e no final a principal vítima da censura, disfarçada ou institucional, acaba sendo a própria sociedade que se auto impõe esta forma de controle.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Um Brasileiro / Folha do Sul - 4.Agosto.2014


Um Brasileiro

Espíritos fortes e livres assustam! Muitas vezes ao denunciarem a injustiça são execrados, denunciados e difamados. O mais contraditório é que o elemento mais assustado é sempre o mais fraco e o injustiçado. Mudanças são sempre difíceis. Em um Brasil que prima pelo conservadorismo há mais de 5 séculos, a simples sugestão de mudanças já causa arrepios na maioria. A inércia, muitas vezes anacrônica, na sociedade brasileira tem sido historicamente um anátema difícil de quebrar. Aqueles que por idealismo, ou porque simplesmente tem a visão que a realidade poderia ser diferente, lutam por mudanças, espíritos livres que são, e acabam tendo que se bater de frente com este conservadorismo rancoroso e retrógrado que nos rodeia.
Nascido em Montes Claros, Minas Gerais em 1922, em um Brasil essencialmente rural, dominado pela aristocracia “café com leite”, Darcy Ribeiro iria ao longo dos próximos 75 anos, até seu falecimento em 1997, acompanhar e fazer parte dos capítulos dramáticos de mudança da sociedade brasileira. Seria um dos espíritos fortes e livres, um daqueles elementos incomodadores da ordem existente, capaz de provocar temor e esperança ao mesmo tempo.
Formado em antropologia, acabaria se destacando não só na sua área específica, mas também como educador, escritor e político. Seus primeiros trabalhos, onde se destaca, são entre os índios de um Brasil ainda “selvagem” e intocado. Seus trabalhos são referência para uma compreensão melhor desta parte da sociedade brasileira, tão espezinhada, massacrada e escravizada ao longo destes 5 séculos. É de sua autoria o projeto do Parque Indígena do Xingu, que acabou se tornando realidade em 1961.
Ajudou na criação da Universidade de Brasília no inicio dos anos 60 e foi também seu primeiro reitor. Foi ministro da educação e chefe da Casa Civil no Governo do Presidente João Goulart. Como tantos intelectuais de posições firmes e fortes, teve seus direitos políticos cassados e por fim teve que se exilar. Ao fim da ditadura, retornou ao Brasil e se elegeu vice-governador do Rio de Janeiro no primeiro governo de Leonel Brizola (1983-1987), quando supervisionou em todas as etapas, a implantação dos Brizolões (ou CIEPs – Centros Integrados de Ensino Público), uma ideia inovadora, por fornecer educação de forma ampla para parcelas consideráveis da população, em que as maiores reações contrarias vinham, como sempre, da elite retrógrada, acostumada a se nutrir da miséria e ignorância do povo. Muito embora a ideia original viesse de Anísio Teixeira, foi o Senhor Darcy que levaria este projeto para a frente no Rio de Janeiro. No segundo mandato de Brizola no Rio de Janeiro, recebeu a incumbência de coordenar a instalação da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF. Trazendo  (e preservando nela) cientistas e pesquisadores importantes fez da UENF uma das mais importantes instituições no cenário acadêmico brasileiro.
Honrarias e reconhecimento nunca lhe faltaram, para desespero da ala conservadora. Terminou seus dias, após muitos anos de combate ao câncer, como senador da república. Deixou como legado livros e ideias, para um Brasil que ele sempre sonhou mais justo e mais livre, mais para os brasileiros e sem o anacronismo do atraso.
Uma das suas frases mais famosas foi: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.” Apenas não concordo com o Professor Darcy no que se refere aos fracassos. Aqueles que momentaneamente venceram, não tinham as ideias com a mesma força e permanência. Ao contrario, a mensagem do Professor e Antropólogo Darcy Ribeiro é eterna e será sempre o principal legado para as gerações vindouras.