quarta-feira, 28 de agosto de 2013

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A Ajuda - Folha do Sul / 26.Agosto.2013



 A Ajuda

Quando viajamos costumamos olhar apenas o lado bonito das localidades. Procuramos não ver a parte feia ou que não nos atinge. Lamentavelmente, e isto não é apenas no nosso pais, podemos ver que existe uma parcela (considerável) da população vivendo na rua, ou de mendicância, ou prostituição, ou mesmo de pequenos roubos. Dependendo do lugar, temos mais ou menos gente percentualmente vivendo na rua, muitas vezes famílias inteiras.
Obviamente a nossa primeira atitude é dar uma “ajudinha”, ou uma esmola. O problema é até que ponto isto leva a um círculo vicioso, pois quem recebe a ajuda passa a achar mais fácil continuar na atividade do que procurar uma atividade realmente útil. Por outro lado, temos que considerar a perda que significa para a sociedade ter uma parcela significativa da mão de obra simplesmente sem ser aproveitada. Quanta riqueza deixa de ser criada por nos darmos ao luxo de deixarmos seres humanos largados e sem esperança.
Este círculo vicioso é muito antigo mas felizmente vivemos numa época em que pelo menos podemos refletir sobre isso com mais profundidade. É bem verdade que as Igrejas sempre procuraram ajudar pessoas em dificuldade. Temos desde a Idade Média ajuda que era dada aos pobres da comunidade. Mas esta ajuda sempre foi mais um paliativo que solução pois pessoas “sem-teto” são mais um reflexo da sociedade que uma questão filosófica ou religiosa.
Em cima destes pontos precisamos ponderar alguns pensamentos e talvez algumas conclusões para podermos propor soluções. Em primeiro lugar precisamos entender que além do sofrimento humano que está ai na nossa frente, temos este problema da falta de criação de riqueza por não utilização da mão de obra. Segue-se a questão de que temos assim todo um efeito dominó, pois não são gerados impostos, menos dinheiro circula e assim por diante.
As soluções passam necessariamente pelo Estado, em qualquer nível. Muita coisa tem sido feito pela Assistência Social, mas muito precisa ser feito. A necessidade de assistentes é tão importante como a de médicos, professores, engenheiros, etc. Somos imediatistas nas nossas demandas políticas mas talvez seja possível uma mudança de paradigma, talvez pequena, mas significativa. Um mendigo a menos na rua, é um cidadão a mais produzindo e sendo útil para a coletividade.
Obviamente que além de assistência social, uma política de emprego e trabalho, atuante e decidida é importante na retirada destas pessoas da rua. A ajuda das instituições religiosas (ou não), a Assistência do Estado e uma política de geração de empregos são o melhor remédio para a recuperação destas pessoas para que antes de mais nada a própria sociedade lucre com isso.
Obviamente não se deve fazer nada com quem não quer. Existem pessoas que gostam de levar a vida na rua. Cada um faz a sua opção, mas a alternativa deve e precisa ser oferecida. Outro flagelo são os chamados “caça mendigos”. Uma doença social, pior que a mendicância, por ser opcional e vinda de pessoas com um padrão social que acham que isto lhes dá direito de brincar com a vida alheia. O caso do índio Galdino em Brasília é um sintoma claro deste descaso com o semelhante. Ao serem indagados sobre porque tinham feito aquilo, os delinquentes responderam que pensaram que era “apenas” um mendigo, como se uma pessoa em extrema miséria não fosse um ser humano.
Felizmente vivemos em uma sociedade em evolução e talvez possamos reverter este quadro dez vezes milenar para algo mais ameno. Somente nós e apenas nós, através de pressão política, poderemos sensibilizar o Estado para que este tenha uma atuação mais decisiva nesta área tão necessária.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O Gargalo - Folha do Sul / 19.Agosto.2013



 O Gargalo

Somos um pais continental! Achamos os Estados Unidos um pais gigantesco, mas no entanto, se tirarmos o Alasca, somos praticamente iguais em tamanho. A Europa cabe toda no nosso território, e não apenas em área: podemos recortar os países e com um pouco de esforço, dá para colocar todos eles encaixados no nosso mapa. Um grande ponto é que na maior parte deste Brasil enorme as áreas são verdes! Quem anda de avião nos Estados Unidos, vê uma grande mancha amarela, um imenso deserto. Aqui no Brasil a mancha é verde. Realmente, e sem demagogias, temos um pais abençoado como poucos no mundo. Em outros lugares como a Rússia, quando não são desertos, temos o frio, não de eventuais zero graus, mas de menos 30 em boa parte do ano.
O grande paradoxo é que se olharmos uma foto do mundo tirada a noite, podemos ver que fora o sul sudeste e a região do litoral, temos um imenso vazio sem luzes. Apesar de tanta potencialidade, ainda temos muito a fazer para realmente preenchermos as lacunas do interior brasileiro.
Portanto com tantos recursos naturais e este clima tão bom, precisamos aproveitar melhor as nossas riquezas. Para isto precisamos de infraestrutura, principalmente de transporte. Desde o governo JK foi feita a opção pela rodovia. Nossas estradas de ferro entraram em decadência e pouco a pouco ficamos viciados em carros e caminhões. Com a onda de privatizações na década de 90, esta tendência começou a se reverter, mas muito mal já tinha sido feito. O “custo Brasil” acaba no final sendo pago por toda a sociedade brasileira. Este custo é a manutenção dos caminhões, das estradas, o desgaste dos veículos devido a buraqueira, os grãos que ficam na estrada, a fila de veículos nos portos. Isto sem contar com o desgaste humano de tantos acidentes na estrada.
Transporte rodoviário é um investimento inicial relativamente mais barato que a ferrovia, mas ao longo do tempo o trem acaba sendo a melhor opção. Para um pais com as nossas dimensões, é estratégico termos uma malha ferroviária de primeira, se quisermos ocupar e utilizar economicamente os espaços que estão ai prontos para serem preenchidos. Nossa interiorização passa necessariamente pela instalação de uma infraestrutura que dê suporte para podermos cumprir o nosso destino e sairmos finalmente da armadilha histórica de ficarmos concentrados, pelo menos economicamente em certas áreas, sul, sudeste, litoral do nordeste, etc. A grande aventura brasileira está ai, na nossa frente, pronta para acontecer! Podemos escutar os ecos da grande marcha americana para oeste ou da russa para leste. Mas não temos desertos ou tundra congelada e sim um solo de primeira, clima fantástico e riquezas minerais que nem fazemos ideia. Nossa “aventura” será muito mais rica que as que nos precederam em outras partes do mundo.
Muito já foi feito. A agricultura é pujante no centro do pais, mas ainda temos muita pobreza lá e muito precisa ser feito se quisermos avançar. Em outras palavras, precisamos de eficiência para escoarmos nossa produção e termos competitividade à nível internacional. Com um giro maior de dinheiro, naturalmente estas áreas irão ter cada vez mais investimentos e será natural uma migração do litoral para o interior, devido ao atrativo que novas oportunidades de trabalho irão trazer.
Felizmente na nossa região temos tanto uma boa infraestrutura de transporte rodoviário como ferroviário. E mais importante ainda, ambas as vias levam ao Rio Grande, onde temos um porto de primeira. Com as novas culturas que estão ai, cada vez maiores, tais como a soja, pode-se esperar um uso cada vez mais intenso destes meios de transporte. Imagine-se se este nosso exemplo puder ser seguido Brasil afora. O interior do Centro-oeste ligado ao litoral por ferrovia. Quanta riqueza seria ganha ou deixaria de ser perdida com uma mudança estrutural do escoamento da produção.
Lamentável escutar na imprensa que o Governo insiste no trem bala entre Rio e São Paulo, orçado em quase 40 bilhões de reais, dinheiro que poderia ser empregado mais sabiamente no aumento e melhoria da malha ferroviária no interior do pais. O grande gargalo brasileiro para criação de riquezas não está nas grandes capitais e sim na conquista, não física, mas econômica do nosso enorme interior, cheio de potencialidades.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Infância Perdida - Folha do Sul / 12.Agosto.2013



 Infância Perdida

Um dos meus filmes favoritos é “Out of Africa” com Meryl Streep e Robert Redford. Não sei por que motivo colocaram o nome em portugues de “Entre dois amores”?! Uma das cenas mais interessantes é aquela em que a Meryl, no papel da fazendeira, resolve fundar uma escola para as crianças filhas dos trabalhadores. O chefe da tribo impõe que apenas crianças com altura menor que a roda de uma carroça poderão lá estudar. A fazendeira não entende e ele explica que desta forma ninguém irá desafia-lo enquanto ele estiver vivo. Em outras palavras, ele tem plena consciência do papel de micro ditador e que pretende manter esta situação o mais que possível.
Exploração infantil, trabalho escravo com o uso de crianças, isto é tão velho quanto o ser humano. Crianças sempre foram usadas em trabalhos degradantes, muitas vezes com a anuência dos pais. A Revolução Industrial, desde o Século 18 apenas agravou um quadro já bem complicado que só iria começar a sofrer alguma mudança em meados do Século 20. Mesmo nos Estados Unidos, na época da Grande Depressão (anos 1930), temos relatos de uso de crianças em fábricas.
Aqui no Brasil, de umas décadas para cá, tivemos progressos, mas muito ainda precisa ser feito. Desde o Brasil Colônia que temos o uso abusivo de crianças nas mais diversas areas de produção e sempre em trabalhos repetitivos e extenuantes. O emprego de crianças para se produzir carvão vegetal e no descascamento da castanha de caju não são fatos novos. O que choca é que esta prática ainda exista no pais.
Antes de mais nada, lugar de criança é na Escola. Digo Escola com letra maiuscula, com professores gabaritados e dignamente pagos. Existem paises no mundo em que é lei que uma criança tenha que ir para a escola. Não digo “lei letra morta” e sim a que é cumprida com todos os rigores. Precisamos entender que uma criança fora da escola é um cidadão que em 10, 15 anos, será mais um elemento não qualificado para o mercado de trabalho. Ou o que é pior, na porta do mundo do crime. A criança que vemos nos sinais, principalmente nas grandes capitais, são candidatos certos para criminalidade ou prostituição. Onde estão as autoridades constituidas quando vemos crianças mendigando muitas vezes com alguem adulto sendo o responsavel por tais práticas?
Mas a pergunta que fica é quem é que lucra com esta situação? Tal e qual na situação do filme, acabamos por entrar numa armadilha histórica. O dono do “negócio”, seja uma carvoaria, uma fábrica de castanhas de caju, uma pedreira, etc, não vai ter interesse em modernizar o seu negócio se ele tem uma opção barata e fácil. Simplesmente ele continua do jeito que está. Para que mudar?
A solução é muito simples! Escola para a gurizada, penalidades da lei para aqueles que empregarem crianças, digo isto incluindo os responsaveis pelos menores. Muito foi feito no Brasil, mas certamente muito precisa ser feito.  A maior riqueza de uma nação está exatamente no seu povo e é nele que tem que serem feitos os maiores investimentos. Temos que ter um jurídico cada vez mais rigoroso neste item, infraestrutura adequada (escolas de qualidade), e professores motivados e bem pagos. Por maior que seja o custo, será este investimento que irá nos trazer o retorno de termos um pais definitivamente nos trilhos. Outros paises fizeram isso: investimento no ensino básico e fundamental. Um dos mais recentes vem da Coréia do Sul. Devastada pela guerra meio século atrás, entre outras coisas, foram feitos investimentos enormes em educação, em todos os niveis. Hoje a Coréia do Sul desponta como uma potência de ponta internacionalmentel. Produtos “made in Coréia” se tornaram comuns e o Indice de Desenvolvimento Humano é dos maiores.
Um Brasil cada vez melhor, esta é a nossa intenção. Precisamos fazer com que os “ditadores da aldeia” parem de querer bloquear o nosso desenvolvimento social e que todas as crianças, do Oiapoque ao Chui estejam no lugar que lhes cabe, e este lugar é na Escola e não em alguma cabana fétida ou estrada empoeirada fazendo trabalho de adultos ou o que é pior, de máquinas.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Importação de Emergência - Folha do Sul / 5.Agosto.2013



 Importação de Emergência

Anos atrás tivemos uma crise no Rio de Janeiro. Por incrível que pareça faltou feijão preto no mercado. Para o carioca isso equivaleu ao fim do mundo. Feijão com arroz é a alimentação básica no Brasil em geral e no Rio de Janeiro em particular. E para o carioca, nada de feijão fradinho, mulatinho, branco, etc. O carioca gosta mesmo é do feijão preto. A solução encontrada pelo Ministro responsável pela área foi a de importar uma “mistura de algo” que iria substituir o alimento básico.... Não me lembro ao certo qual era a composição do negócio, mas os problemas que surgiram e o embaraço das autoridades, essa parte é memorável. A tal mistura era difícil de cozinhar e o que é pior, ninguém queria comer aquilo. Resultado: ficou encalhado nas prateleiras e o Governo teve no final que importar o feijão! Feijão de verdade!
2013! Povo na rua pedindo mais saúde, educação, etc. No item saúde, o governo identificou, com apoio da grande mídia, que temos falta de médicos. Aparentemente o item infraestrutura (hospitais, postos de saúde, equipamentos, etc) não é tanto importante, nem mesmo a falta de escolas de medicina. O negócio é a falta de médicos! Para resolver isso, a solução achada, tal como na importação da “mistura de algo”, é trazer médicos estrangeiros. Para agilizar isto, os burocratas de plantão, na Ilha da Fantasia (Brasília), resolveram que eles poderão vir apenas mostrando o diploma de onde se formaram, com uma análise mínima por parte dos órgãos competentes. Pelo menos isto é o que apareceu na imprensa. Como se isto não bastasse, o governo quer complicar ainda mais a vida dos estudantes de medicina locais com mais exigências.
Um diploma de qualquer tipo, reconhecido pelo Estado, dá ao portador o direito de exercer esta ou aquela profissão. Um médico, um engenheiro, um advogado, etc, enfim todos os profissionais passam por uma máquina de moer carne, ou pelos menos assim se espera, para que tenhamos a certeza de que temos profissionais qualificados nas mãos dos quais literalmente colocamos nossas vidas. Imagine-se sendo operado por um charlatão, ou um prédio sendo projetado por um “curioso” da área. As restrições e barreiras foram montadas para exatamente podermos ter um mínimo de confiança nos profissionais. Diplomas tirados no exterior, para serem revalidados aqui no Brasil seguem uma rota burocrática extenuante e por vezes até excessiva, onde anos podem se passar até que o mesmo seja aceito.
Como um pais de imigrantes, sempre acolhemos de braços abertos aqueles que quiseram escolher este nosso pais como nova pátria. Muitas vezes criticamos o Brasil por este ou aquele motivo, mas nos esquecemos de onde vieram nossos avós e quais as razões que os levaram a vir para cá, muitas vezes nas situações as mais precárias. Sendo assim, num pais construído por imigrantes e com tradição nisto, não há nenhuma razão para que profissionais estrangeiros de qualquer área não possam vir trabalhar aqui. O único problema é que estes profissionais, não importa de que área, tem que obrigatoriamente passar pela rito de revalidação de diploma estrangeiro, assim como todo mundo sempre passou, inclusive os próprios brasileiros formados no exterior.
A proposta do Governo, se for realmente implantada, abrirá um precedente perigoso, inclusive para outras áreas. Na falta de engenheiros, importaremos os mesmos sem qualquer critério, idem para advogados, enfermeiros, arquitetos e assim por diante. Um precedente deste tipo abrirá as portas para todo tipo de “solução” que nada irá resolver. Parecerá bom para os habitantes da Ilha da Fantasia, que assim poderão imaginar estar resolvendo os problemas fora da mesma Ilha.
Mas tal e qual na importação da “mistura de algo”, os problemas serão piores. Em vez do feijão preto, teremos médicos sem revalidação do diploma. Pouco saberemos deles e numa situação de emergência, coisas ruins podem acontecer e a quem iremos depois responsabilizar?! O Governo está tomando decisões perigosas em áreas sensíveis sem nem mesmo escutar, ou se fazendo de surdo, ao que os órgãos competentes e representantes de classe estão dissendo e enfatizando.Para nós, simples cidadãos, restará a esperança, nos anos que se seguirem, caso estas “importações” ocorram realmente, que o médico na nossa frente seja realmente qualificado como precisamos.