A Vitória da Democracia e da Lei
Olhar os acontecimentos de longe é fácil.
Principalmente quando muitos anos se passaram. Para quem era muito jovem ou nem
sequer havia nascido no final da década de 1970 e inicio da década de 1980, os acontecimentos
parecem simplesmente ter saído dos livros de história sem maiores
consequências. Mas para aqueles que viveram aqueles momentos, dificilmente
poderão se esquecer.
A bota pesada da ditadura militar parecia
imbatível. Dez anos antes parte da oposição tinha resolvido optar pela via
armada e com isso conseguiram apenas um endurecimento maior do regime. A
imprensa amordaçada, a intelectualidade esmagada, o movimento operário sem voz.
A nação se via trancada dentro de uma gaiola institucional fechada de caráter
ditatorial em que pouca garantia legal teria o cidadão comum. Millôr Fernandes
comenta em um de seus inúmeros e bem humorados artigos sobre a época que ao ir
numa repartição, ele se via cercado de gente fardada, e não podia recorrer a
nenhum advogado, juiz ou promotor e que o melhor era mesmo ficar calado.
Quem estava dentro da gaiola dourada achava melhor
ficar na sua, afinal de contas ainda estávamos em clima de milagre brasileiro
do inicio da década de 1970. Mas com a crise do petróleo em 1973, o milagre
desmanchou e aos poucos a nação foi despertando. Fora o uso (indevido) da
máquina estatal para reprimir a oposição (incluindo tortura, assassinatos e
exílio forçado), os governantes haviam gasto muito dinheiro em obras
inacabadas, a inflação estava entrando em voo solo e assim por diante. A ideia
era deixar o povo fingir que nada estava acontecendo. O assassinato de Vladimir
Herzog nas dependências do DOI-CODI em São Paulo foi o ponto de partida de
protestos e pressões que iriam levar a ditadura para o seu fim melancólico, tão
melancólico que o último general-presidente, Sr. João Figueiredo, saiu pela
porta dos fundos do palácio do planalto sem passar sequer a faixa ao sucessor.
O Sr. Figueiredo passaria o resto da sua vida pedindo para que o “esquecessem”.
Ao longo deste processo, tão difícil e tão marcado
por adversidades, alguns nomes se levantaram, não com armas, mas com a força
das suas ideias. Se aglutinaram como oposição em um dos dois partidos políticos
que o regime havia permitido existir e dali fizeram a longa e tortuosa escalada
institucional para que o pais recuperasse a sua normalidade legal. O MDB –
Movimento Democrático Brasileiro foi a válvula de escape para que a comunidade
voltasse a ter voz. Uma voz muito tímida no inicio mas que pouco a pouco foi
ganhando força até deixar o regime sem fôlego. Os acontecimentos que se
seguiram como a Anistia, volta dos exilados, fim da tortura, voto para quase
todos os níveis da administração pública, etc. são conquistas de todo o povo
brasileiro que sem derramar sangue, usando a força das ideias conseguiu
derrotar armas e ditadores. Apenas o voto direto para presidente teve que
esperar alguns anos mais devido às artimanhas de última hora do regime. Se hoje
podemos ter o debate sobre o que queremos para o Brasil, temos que agradecer à
luta que aconteceu naqueles anos.
As lideranças que se aglutinaram em torno do MDB,
fizeram isto com grande risco para si próprios e suas famílias. Homens que
sabiam que o governo estava errado e que não tinham outras armas além das suas
ideias, que sabiam estar certas e que o Brasil estava cada vez mais se
encaminhando definitivamente para um mar de lama e mentira do qual seria muito
difícil sair. De nada adiantaria termos um pais com uma grande economia, como
era o sonho da ditadura, se a lei e a democracia não fossem a bússola, o guia.
De nada adiantaria uma gaiola dourada, pois assim como o canto do rouxinol, uma
nação para ser uma luz entre as nações deve saber exercitar o seu voo livre e
com responsabilidade, para si e para seus cidadãos.
Digo para que todos saibam que minha juventude
foi no tempo de Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela, gigantes defensores e
lutadores pelas liberdades democráticas em nosso pais. Digo para que todos
saibam que minha juventude foi no tempo de Tancredo Neves.