segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A Vitória da Democracia e da Lei / Folha do Sul - 20.Outubro.2014



A Vitória da Democracia e da Lei

Olhar os acontecimentos de longe é fácil. Principalmente quando muitos anos se passaram. Para quem era muito jovem ou nem sequer havia nascido no final da década de 1970 e inicio da década de 1980, os acontecimentos parecem simplesmente ter saído dos livros de história sem maiores consequências. Mas para aqueles que viveram aqueles momentos, dificilmente poderão se esquecer.
A bota pesada da ditadura militar parecia imbatível. Dez anos antes parte da oposição tinha resolvido optar pela via armada e com isso conseguiram apenas um endurecimento maior do regime. A imprensa amordaçada, a intelectualidade esmagada, o movimento operário sem voz. A nação se via trancada dentro de uma gaiola institucional fechada de caráter ditatorial em que pouca garantia legal teria o cidadão comum. Millôr Fernandes comenta em um de seus inúmeros e bem humorados artigos sobre a época que ao ir numa repartição, ele se via cercado de gente fardada, e não podia recorrer a nenhum advogado, juiz ou promotor e que o melhor era mesmo ficar calado.
Quem estava dentro da gaiola dourada achava melhor ficar na sua, afinal de contas ainda estávamos em clima de milagre brasileiro do inicio da década de 1970. Mas com a crise do petróleo em 1973, o milagre desmanchou e aos poucos a nação foi despertando. Fora o uso (indevido) da máquina estatal para reprimir a oposição (incluindo tortura, assassinatos e exílio forçado), os governantes haviam gasto muito dinheiro em obras inacabadas, a inflação estava entrando em voo solo e assim por diante. A ideia era deixar o povo fingir que nada estava acontecendo. O assassinato de Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI em São Paulo foi o ponto de partida de protestos e pressões que iriam levar a ditadura para o seu fim melancólico, tão melancólico que o último general-presidente, Sr. João Figueiredo, saiu pela porta dos fundos do palácio do planalto sem passar sequer a faixa ao sucessor. O Sr. Figueiredo passaria o resto da sua vida pedindo para que o “esquecessem”.
Ao longo deste processo, tão difícil e tão marcado por adversidades, alguns nomes se levantaram, não com armas, mas com a força das suas ideias. Se aglutinaram como oposição em um dos dois partidos políticos que o regime havia permitido existir e dali fizeram a longa e tortuosa escalada institucional para que o pais recuperasse a sua normalidade legal. O MDB – Movimento Democrático Brasileiro foi a válvula de escape para que a comunidade voltasse a ter voz. Uma voz muito tímida no inicio mas que pouco a pouco foi ganhando força até deixar o regime sem fôlego. Os acontecimentos que se seguiram como a Anistia, volta dos exilados, fim da tortura, voto para quase todos os níveis da administração pública, etc. são conquistas de todo o povo brasileiro que sem derramar sangue, usando a força das ideias conseguiu derrotar armas e ditadores. Apenas o voto direto para presidente teve que esperar alguns anos mais devido às artimanhas de última hora do regime. Se hoje podemos ter o debate sobre o que queremos para o Brasil, temos que agradecer à luta que aconteceu naqueles anos.
As lideranças que se aglutinaram em torno do MDB, fizeram isto com grande risco para si próprios e suas famílias. Homens que sabiam que o governo estava errado e que não tinham outras armas além das suas ideias, que sabiam estar certas e que o Brasil estava cada vez mais se encaminhando definitivamente para um mar de lama e mentira do qual seria muito difícil sair. De nada adiantaria termos um pais com uma grande economia, como era o sonho da ditadura, se a lei e a democracia não fossem a bússola, o guia. De nada adiantaria uma gaiola dourada, pois assim como o canto do rouxinol, uma nação para ser uma luz entre as nações deve saber exercitar o seu voo livre e com responsabilidade, para si e para seus cidadãos.
Digo para que todos saibam que minha juventude foi no tempo de Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela, gigantes defensores e lutadores pelas liberdades democráticas em nosso pais. Digo para que todos saibam que minha juventude foi no tempo de Tancredo Neves.

Momento Econômico / Folha do Sul - 13.Outubro.2014



Momento Econômico

Brasil, início dos anos 70 do século passado, a vitória dos movimento tenentista de raízes pré-getulistas era atestada pelo controle total do estado pelos militares que, com a desculpa de livrarem o pais do perigo comunista, tinham dado um golpe ilegal dez anos antes, quebrando os poderes de base democrática legalmente constituídos. Uma noite negra e tenebrosa que exatamente naquele início de década (1970-1973) teve o seu momento maior. A imprensa amordaçada, a oposição exilada, na prisão e em alguns casos assassinada, um Congresso incapaz de esboçar a menor reação e assim por diante. Com a vitória na Copa do Mundo no México, éramos o pais do futuro. “A copa do mundo é nossa, com brasileiro não há quem possa” era a marchinha oficial, repetida até a exaustão. Nada podia ser contestado com o perigo de se ouvir: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Na economia vivíamos um momento de pujança. Taxas de crescimento eram as maiores do mundo. O todo poderoso czar das finanças era um cavalheiro de nome Delfim Neto, alçado ao posto pelos militares após os ajustes feitos na economia pelo seu antecessor, senhor Roberto Campos. Campos, que era chamado sarcasticamente de Bob Fields pela oposição no exílio, havia feito correções que no final aparentemente lhe causaram grande desgaste e a troca pelo senhor Neto.
Mas o Brasil continuava com muita pobreza, grandes obras eram tocadas sem garantias que elas seriam terminadas, etc. Quando aos poucos o pais foi acordando do pesadelo, se viu que a pobreza era endêmica e que muitas daquelas obras faraônicas jamais seriam terminadas e assim por diante. Se alguém duvidar disto, basta lembrar a “ferrovia do aço”, obra nunca terminada e sucateada. Bilhões foram enterrados Brasil afora e a dívida, externa e interna, do pais foi às alturas. Com os protestos nas ruas no final dos anos 70, a volta da democracia no início da década de 80 foi inevitável. Com a crise econômica, seguiram-se planos econômicos dos sucessivos governos, desta vez democráticos, em que o pais parecia se erguer para cair de novo, desfalecido pela inflação galopante que insistia em aumentar, cobrando principalmente dos pobres e menos favorecidos um alto preço. Finalmente se conseguiu estabilidade com o plano real e a lei da responsabilidade fiscal em meados dos anos 90.
Os anos passaram, e o grande paradoxo que vivemos nos dias atuais é que se na ditadura tínhamos um grande crescimento, a distribuição de renda era o grande calcanhar de Aquiles do sistema econômico e social. O czar Delfim Neto dizia que “era necessário deixar o bolo crescer para depois reparti-lo”. Ultimamente temos vivido o contrario, crescimento pequeno e uma melhor distribuição de renda. A verdade é que “o bolo parou de crescer e estamos ocupados em reparti-lo”, de um jeito ou de outro. Talvez o nosso sangue latino, sempre mais emotivo que de outros povos, para bem ou para mal, não nos deixe parar no meio do caminho, ou seja, crescimento com divisão de renda. Não se pode negar que nos últimos anos crescemos menos, as vezes bem menos, que o resto do mundo. Este ano talvez iremos até mesmo encolher se não houver uma reação até dezembro.
No final da ditadura, os grandes problemas foram a balança de pagamentos e a balança comercial, sempre deficitárias, com o aumento subsequente do endividamento externo e interno. A desvalorização da moeda nacional foi inevitável, seguindo-se recessão, desemprego, inflação, etc. Pragas econômicas que estiveram presentes por mais de uma década até a estabilização do Plano Real. O paralelo histórico, pelo menos no que diz respeito às trocas comerciais atuais com os outros paises, é enorme. Foi divulgado na imprensa que o saldo na balança de pagamentos seria, até setembro deste ano, negativo em mais de cinquenta bilhões de dólares, para reservas de cerca de trezentos bilhões (e portanto rapidamente exauríveis). A desvalorização da moeda é desta forma inevitável, assim como o foi na época dos militares, com as consequências também inevitáveis. Não é por acaso que ambos os candidatos na disputa presidencial, situação e oposição, tem colocado de forma enfática que mudanças e ajustes no rumo da economia serão necessários.

Escolha e Novos Rumos / Folha do Sul - 6.Outubro.2014



Escolha e Novos Rumos

Fim da caminhada da campanha, pelo menos para o primeiro turno. Teremos a escolha do eleitorado, ou pelo menos saberemos a tendência, até meia noite. Como em todas as eleições, um momento de decisão para a comunidade. Uma mudança importante no pais em relação ao passado é a ausência de ameaças físicas ou mesmo agressões, pelo menos no noticiário. Um total contraste com o Brasil de meros cinquenta anos atrás. Certamente tivemos bastante progresso desde então e não apenas isso.
Na época da ditadura, havia a exigência em Minas Gerais do título eleitoral para se obter licença de caça. Ninguém podia dizer então que o título era inútil de todo. Pelo menos em Minas Gerais na época servia para ir pegar bicho no mato. Com diversas eleições consolidadas, com a alternância dos partidos e a estabilidade política de já algumas décadas, podemos dizer que, pelo menos no nível de escolha democrática, conseguimos alcançar a maturidade necessaria para uma civilização moderna e hoje em dia um título de eleitor é bem mais que uma formalidade burocrática.
Um grande avanço foi a votação em dois turnos para cargos do executivo. Anteriormente um candidato poderia se eleger com uma minoria dos votos. O sistema em dois turnos eliminou esta possibilidade gerando assim mais legitimidade na escolha. Talvez este sistema devesse ser estendido também para a escolha para o Senado devido ao menor número de vagas e também de candidatos, deixando assim o eleitor mais livre para fazer a sua escolha no primeiro turno.
A urna eletrônica, se cercada de todos os cuidados, é realmente outro avanço. Apenas as chances de fraude, ou desvirtuamento por hackers ou vírus, estarão, nestes tempos modernos, sempre presentes. Aparentemente, pelo menos na presente eleição, todos os cuidados foram tomados no máximo da capacidade do Tribunal Eleitoral.
As pesquisas ajudaram e atrapalharam. Talvez a melhor situação de constrangimento tenha sido exatamente na eleição para senador pela necessidade de se votar em um terceiro candidato para evitar que um candidato “rejeitado” se elegesse. Mas é fato que as pesquisas influenciaram em mais de uma escolha na cédula.
Uma mudança que continua na lista de espera é o fim do voto obrigatório. Será necessário uma atitude mais forte para que os nossos políticos eleitos reconheçam que votar é dever, mas não pode ser levado ao nível de obrigação, com penalidades se não exercido. Aliás mais que dever, é um direito de cidadania, mas deveria ser facultativo para deixar a liberdade de escolha ao eleitor, inclusive a liberdade de ir ou não votar.
Se as tendências mostradas pelas pesquisas se confirmarem, teremos dois turnos tanto a nível federal como estadual. Em ambas as situações aparentemente iremos ter um debate entre os atuais governantes e a oposição e com isso decidirmos se iremos querer manter a atual política ou mudar a mesma. Independente de quem será o oponente dos atuais detentores do poder, certamente o debate irá ser ferrenho e provavelmente irão ocorrer cobranças de todos os candidatos, situação ou oposição. Uma coisa é certa, cada voto será disputado, palmo a palmo, e não seria surpresa se no segundo turno a diferença entre os candidatos ser de menos de um porcento no resultado final.
Mas por enquanto a disputa, tanto para presidente como para governador, é pelo segundo lugar para ter um lugar no segundo turno. Neste segundo turno o desafio dos governistas será convencer parte do eleitorado, cerca de dez porcento a nível federal e vinte porcento a nível estadual a fazerem o que não quiseram no primeiro turno, ou seja, votar na situação. O desafio dos oposicionistas será obter uma frente unida de oposição. Ambas as tarefas são aparentemente enormes, muito difíceis e complicadas, mesmo para marketeiros experientes.