O Poder da Música
São Raimundo Nonato,
Piauí, é uma cidade de vinte mil e poucos mais habitantes no meio do sertão
nordestino e onde tive o privilégio de morar por três anos. Famosa pelo Parque
Nacional da Serra da Capivara, com suas pinturas de homens pré históricos, a
famosa pedra furada e sua vegetação exuberante no meio de um sertão tão
castigado pela seca. Seus moradores são pessoas muito legais e de uma
hospitalidade que certamente rivaliza com a nossa aqui no Pampa. Eu acho que Bagé
e São Raimundo Nonato poderiam ser consideradas até cidades irmãs por causa de
várias similaridades, a mais importante o valor e determinação dos seus
moradores.
Um dos seus habitantes, já
falecido, foi o Senhor Carlos Alberto de Santana, mais conhecido pelos locais
como Bibiu. Nascido em uma localidade próxima, foi criado por estranhos,
conheceu apenas o pai pois sua mãe morreu cedo. Sua vida foi marcada pela
pobreza, muitas vezes extrema e pela obesidade mórbida, que o acompanhou até o
fim. Mas Bibiu tinha um dom que é reservado para poucos: ele tinha o espírito
da música no seu sangue. Atraia uma multidão de gente, muitos deles jovens e
crianças, a tarde na praça do mercado, perto da rodoviária para fazerem um
verdadeiro concerto. Bibiu nunca teve educação formal maior, o seu dom veio
mesmo de Deus. Seus problemas de saúde e pobreza eram amenizados pelos
vizinhos, que sempre lhe ajudaram como puderam. Seu sonhos incluíam coisas
simples como ter um som novo, uma roupa nova. Vê-lo na praça tocando com o
pessoal era uma experiência com muita emoção e se podia ver que aquilo era
parte dele, nascido músico, sem diploma, sem formação, seria músico até a
morte. Seu momento especial foi ter tocado em um concerto junto com outros
membros da comunidade musical de São Raimundo.
Quando penso no Bibiu, me lembra o
Israel Kamakawiwo'ole, um músico do Hawai, que ficou particularmente famoso
pela sua versão de “Somewhere over the Rainbow” (https://www.youtube.com/watch?v=V1bFr2SWP1I), mas não
apenas. Também obeso como o Bibiu, também falecido devido a isto, o Senhor
Israel conseguiu fama, mas como o Bibiu, o que ele mais fez de importante foi
trazer alegria para o coração das pessoas.
Existe um ditado que “todo mundo morre,
mas nem todo mundo vive”. Certamente o Bibiu e o Israel tiveram uma existência
que tem seus aspectos de riqueza por tudo que puderam ofertar para os outros.
Mas enquanto o dom do Israel pode ser aproveitado, o do Bibiu ficou perdido lá
no meio do sertão, restando apenas como uma lembrança daqueles que o
conheceram.
Será que a maior perda é do Bibiu? Por
melhores que sejam as minhas palavras, nada poderá descreve-lo tocando ou
cantando, nem o que ele poderia ter alcançado se este seu dom tivesse sido mais
bem explorado. No entanto, o Senhor Israel é conhecido mundo afora pelos seus
vídeos e pela muito bem feita divulgação do seu nome. Quem perde? Pode-se
dizer, com muito cuidado, que a maior perda é da sociedade, que poderia ter
aproveitado bem melhor um cidadão como o Bibiu. Seria mais riqueza, pois a
música não deixa de ser um bem coletivo, pois parte de nós é como seres
culturais. Certamente também o Bibiu seria beneficiado pois iria receber
bastante pelo seu trabalho. Fica ai mais uma possibilidade não ocorrida.
Este meu texto é uma homenagem ao curso
de música da UNIPAMPA (e do IMBA também), pois vejo a dedicação e atenção que é
dada por professores e alunos. Talentos locais estão aparecendo ou se
desenvolvendo ali. Certamente surpresas tem sua chance de aparecer, surpresas
boas, e os “Bibius”, que certamente estão por ai esperando uma oportunidade,
sempre poderão ali encontrar um porto seguro, um farol de luz, um guia, para
que despontem, que floresçam com todo o seu esplendor. Parabéns em particular
aos professores do curso de música pelo tanto que tem feito em tão pouco tempo
na comunidade.