segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Onde fica a fronteira? / Folha do Sul - 12.Janeiro.2015



Onde fica a fronteira?

O atentado em Paris e suas repercussões estão sendo o grande centro das atenções no mundo todo. No meio de muita comoção se faz necessário isolar cada detalhe e tentar uma reflexão sobre o que realmente está acontecendo.
O atentado, ato terrorista, crime, etc, dê o nome que quiser para o que aconteceu, foi na realidade o assassinato de 12 pessoas (mais onze feridos) que trabalhavam em uma revista satírica em que eram publicadas charges que entre outros temas satirizavam símbolos religiosos. Seguiu-se uma perseguição policial em que ocorreram sequestros e mais mortes, incluindo dos supostos terroristas. Em todo o mundo tivemos manifestações contra o atentado e algumas de apoio ao mesmo, ou pelo menos condenando o que chamaram de “brutalidade policial”. No meio de tanta informação, estas partes foram possíveis de extrair sem correr o risco de exageros.
Os assassinatos em si, com toda a brutalidade que os cercam, não deixam de ser um fato corriqueiro em um mundo no qual já nos acostumamos a escutar no noticiário dezenas, centenas de pessoas serem mortas todos os dias em conflitos que parecem não ter fim. Se alguém duvida do que digo, basta abrir as páginas policiais de qualquer jornal brasileiro. Temos uma situação séria mesmo no nosso próprio pais. Então, por mais importantes que fossem os jornalistas, não é este o fato central aqui.
A atitude da policia francesa de buscar os perpetradores é a atitude que se espera desta instituição. A policia é paga exatamente para isso e um estado por ser democrático, não significa que tem que ser fraco. Até prova em contrario, a policia agiu dentro do que se esperava da mesma. Pessoas que cometem delitos, seja de que ordem forem, inclusive os de natureza política, devem estar preparadas para as consequências. Novamente não é este o foco e podemos deixar de lado a atitude policial.
A atitude dos sujeitos que cometeram o atentado foi por causa da satirização de símbolos religiosos. Qual o símbolo e qual religião? Será este o ponto? Ou será que deveríamos ver até que ponto se pode transgredir da liberdade de expressão e até que ponto, e como, pode-se ter uma reação contra estas transgressões. Mas ai entramos em uma zona cinzenta, não delimitada. Temos tido a atitude de permitir uma total liberdade de expressão, pelo menos nos países democráticos, com a salvaguarda dos direitos individuais e das instituições. Em outras palavras, todo mundo é livre para se manifestar, mas se houver abusos, como difamação e calúnia, a Justiça poderá ser acionada. No caso de símbolos religiosos, isto se torna terreno cheio de armadilhas.
A atitude de extremistas também não ajuda em nada, servindo apenas para radicalizar um debate que deveria ser muito mais sadio. Por vezes, lendo os comentários internet a fora, parece que estamos voltando ao tempo das cruzadas, em que a cristandade se chocou contra o mundo islâmico. Todo o desenvolvimento ao longo do Renascimento, Iluminismo, etc parece ter sido jogado na lata do lixo pelo teor destes comentários.
Estamos portanto em terreno desconhecido. Isto não é de agora. Qual o limite para a liberdade de expressão? Será possível termos tal limite? Quem iria marcar esta fronteira? O estado laico, a Igreja, alguma ONG? A resposta a isso tem sido, desde as Revoluções Americana e Francesa, mais de duzentos anos atrás, a ausência de toda e qualquer censura. Dentro desta filosofia, qualquer restrição à liberdade de imprensa, por menor que seja, é interpretada como um atentado às liberdades democráticas de livre pensamento e crítica.
O atentado em Paris nos atinge em cheio nestas liberdades. Pior, ao invés de termos um debate sadio sobre este tema, acabamos perdendo o foco. Poderíamos dizer que sem o debate, terminamos jogando fora a água do banho junto com o bebê.

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