quinta-feira, 17 de abril de 2014

A Nossa Guerra / Folha do Sul - 14.Abril.2014



A Nossa Guerra

Cinquenta mil mortes. Vou repetir o número: Cinquenta mil! Ao se visitar Washington Capital, a visita ao monumento a Lincoln faz com que também seja necessária uma caminhada pelo monumento aos mortos da guerra da Coreia e do Vietnã. Ambos os monumentos mostram a lembrança de que guerras são um monumento a estupidez humana. Particularmente o memorial da guerra do Vietnã mostra o nome dos cinquenta mil norte americanos que morreram na aventura. Estes números até hoje provocam comoção na sociedade americana. A pergunta que não quer calar se refere ao porque, não esclarecido, dos Estados Unidos terem se envolvido no tal conflito. Tantas mortes para nada.
Por incrível que pareça, este é o número das mortes nas estradas brasileiras, não o total de uma guerra, mas o total em apenas um ano. Estes números são gritantes, chocantes e preocupantes. Em dez anos, um total de meio milhão de brasileiros é morto nas estradas. Também não podemos esquecer as pessoas que ficam mutiladas ou incapacitadas, ou ambos.
Particularmente nas grandes capitais, a impressão que se tem no trânsito é de se estar realmente em terra de ninguém. Vale-tudo, abusos ao volante, desrespeito aos demais, etc, são atitudes normais e acabamos aceitando isto como coisa normal quando na verdade o abuso de uma pessoa é o desrespeito de outra. Um transito mais tranquilo seria do interesse de todos. O fim da atitude de que atrás do volante o cidadão se acha o dono do mundo seria uma melhoria tremenda no padrão de vida de toda a coletividade.
Esta situação tem melhorado apenas através do endurecimento das autoridades. Leis novas tem sido passadas. Álcool agora é crime para o motorista pego dirigindo embriagado. Uma nova postura da sociedade melhorou consideravelmente este quadro, mas muito ainda precisa ser feito. Mais policiamento e uma aplicação mais rigorosa das leis já existentes certamente terão como resultado uma diminuição das infrações e atitudes perigosas por parte de motoristas imprevidentes.
Necessário lembrar que todos nós, motoristas ou pedestres, infratores ou não, de qualquer classe social, idade, sexo, etc. Enfim, todos, somos potenciais vítimas desta guerra que está debaixo dos nossos olhos. Achamos doenças como o câncer algo terrível. Mas o que será que hoje causa maiores dores numa comunidade, particularmente morte ou mutilação (e principalmente entre jovens): doenças ou o transito? A diferença é que enquanto doenças como o câncer dependem de pesquisas, o transito pode ser curado, ou pelo menos minimizados seus problemas.
Uma mudança de atitude terá que ocorrer para que as coisas melhorem. Para que ocorra, certamente um empenho das autoridades irá fazer parte disto assim como uma mudança por parte do coletivo.
Certamente ter um carro é algo importante e praticamente essencial no mundo moderno. Mas a aquisição de um carro não é ter direito de colocar a vida alheia em perigo, ou pior, de tira-la.
Deixo minha solidariedade com as famílias que foram vítimas de tragédias no transito. Tragédias que poderiam ter sido, na maioria das vezes, evitada. Que estas mortes sirvam pelo menos para mostrar que uma lei mais rigorosa teria o benefício de evitar que tenhamos mais famílias enlutadas.

terça-feira, 8 de abril de 2014

A Mesa / Folha do Sul - 7.Abril.2014



A Mesa

Para que estudar História? Entre muitas coisas, é com o conhecimento do passado que podemos evitar cometer os mesmos erros, entender o presente e planejar o futuro. Seres humanos são elementos sociais e como tal, parte de comunidades, desde a mais primitiva tribo até a mais avançada civilização. Nos grupamentos humanos, a comunicação entre os elementos componentes é parte fundamental. Com a comunicação surge a etapa seguinte que é a negociação entre os elementos do grupo. O estudo da História Humana nos mostra que nossos erros e acertos provem do nosso contato uns com os outros e da forma como estabelecemos nossas relações, pessoais, comerciais, trabalhistas, etc. Estas relações são de certa maneira provindas de negociações, negociações estas que podem ter ocorrido há muito tempo atrás.
Um dos melhores exemplos de como uma negociação pode ser péssima nos leva de volta ao Tratado de Versalhes celebrado ao fim da Primeira Guerra Mundial. As potências europeias vencedoras (Inglaterra e França) quiseram impor aos derrotados (Alemanha) um acordo com cláusulas leoninas. Os motivos que tinham levado os países em questão a um massacre mútuo continuavam no mesmo lugar sem solução. Além disso obrigaram a Alemanha a pagar uma indenização absurda. Keynes, que havia participado das negociações, ficou horrorizado com aquilo, chamando o acordo de Paz Cartaginesa e que a Europa como um todo estava se punindo a si mesma. Como resultado do tal acordo, a Alemanha entrou em uma crise profunda nos anos que se seguiram a guerra. A ascensão dos nazistas e a Segunda Guerra tem assim as suas raízes na Primeira Guerra Mundial. Todo um conjunto de problemas foi mantido sem solução e pelo contrario, agravado pela teimosia dos países vencedores que se julgavam capazes de tudo. A intransigência a nível de governo apenas piorou os problemas em vez de soluciona-los. No fim da Segunda Guerra, aparentemente as lições tinham sido aprendidas pois apesar da rendição incondicional da Alemanha, projetos foram feitos para ajudar a reconstruir a Europa devastada (ao invés de punições) e toda uma nova situação política surgiu sem as tensões existentes de antes. O fim de rivalidades tradicionais, como entre Alemanha e França, e acordos de integração europeia são o resultado de um entendimento mútuo em que as partes conseguem se entender e também reconhecem os interesses de cada componente da negociação.
A preocupação na nossa comunidade se refere à greve dos funcionários municipais, agora engrossada com a greve dos técnicos da Universidade Federal do Pampa. O que chama a atenção é como os problemas se repetem todos os anos sem solução. Parecemos não aprender neste ponto com o passado. Não é minha pretensão aqui defender ou atacar nenhum dos lados. Como no caso dos europeus de cem anos atrás, temos uma situação em que dois lados tem os seus interesses e limitações. Da mesma forma, de nada irá adiantar se um dos lados quiser impor a sua vontade, com ou sem acordo formal, a situação irá continuar sem solução e poderá estar até mesmo pior daqui a um tempo, voltando tudo de novo. Se alguém duvida disto então porque será que sempre temos problemas no setor público? Ano após ano, a situação se repete. A conversa, o diálogo e a negociação, com uma boa dose de boa vontade, parecem ser o único caminho ao invés de um endurecimento das partes.
Um setor público forte é do interesse de todos. Professores desestimulados apenas levam a uma má educação das crianças, os trabalhadores de amanhã, uma policia sem o devido reconhecimento gera como consequência os problemas de segurança que todos nós conhecemos, e assim por diante.
A abertura de um dialogo, dialogo este construtivo, e que neste dialogo surjam negociações com um viés positivo e que se tente resolver as raízes dos problemas são necessidades de primeira linha hoje na nossa comunidade da fronteira.

Aniversario / Folha do Sul - 31.Março.2014



Aniversario

Exatamente meio século atrás a lei foi quebrada. Nosso pais entrou numa noite escura e nebulosa que iria durar 21 anos. Um pesadelo tenebroso podemos dizer agora, na distância temporal que nos separa do golpe de 31 de março de 1964. Com a desculpa de proteger o pais de um golpe de extrema esquerda, desculpa esta engolida por muitos, incluindo nomes de peso tais como Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, Rubem Fonseca, etc, as Forças Armadas tomaram o poder. O apoio incluiu parcela considerável da sociedade civil, incluindo empresários, políticos, religiosos, até mesmo lideranças estudantis. Obviamente não havia um consenso total, mas o fato é que no final as forças “conservadoras” tomaram o poder na marra. Muitos, incluindo oficiais, eram contra aquela estória, nem tanto por ideologia mas por saberem o que significava a quebra das instituições. Poderíamos dizer que a resistência começou na hora mesma em que o golpe foi dado.
Os fatos que se seguiram são públicos. Tortura, arbitrariedade, pelo menos 214 mortos e 148 desaparecidos, fechamento do congresso, cassação de políticos, exílio forçado de milhares de brasileiros, sindicatos fechados, prisões arbitrárias, corrupção generalizada, etc. De tudo o centro da estória: suspensão dos direitos e garantias individuais de todo e qualquer cidadão. O golpe tinha sido dado exatamente com a desculpa de proteger estes direitos e garantias. As consequências sócias econômicas no final são o preço pesado que todo o pais pagou: inflação, dívida externa, estagnação econômica, favelização, etc.
Tivemos ditaduras ao longo do Século XX que ficarão marcadas na História: Hitler, Mussolini e Stalin são as que deixaram as marcas mais profundas. Certamente a ditadura brasileira teve um caráter “light” quando comparada com estes regimes monstruosos. Mesmo na nossa vizinhança, não tivemos o massacre que ocorreu na Argentina e no Chile. Nestes países as respectivas ditaduras não produziram centenas mas sim milhares de mortos, desaparecidos e torturados. Mesmo assim não existe justificativa para as insanidades domésticas nossas.
A censura à imprensa é um capítulo a parte. Prisão de jornalistas e falta de outra versão além da oficial se tornou algo normal. Estes regimes, no mundo todo sempre se caracterizaram por estes tipos de atitudes. Mais triste ainda é a atitude de parte da comunidade que acha normal esta situação sob a desculpa de que alguém tem que “manter a casa limpa”. Em outras palavras, se não tenho motivo para me preocupar com a Gestapo, problema do vizinho. Típico do final da Segunda Guerra foram os soldados americanos mostrando para as populações locais, que pouco ou nada tinham feito, os corpos (muitos) empilhados de homens, mulheres e crianças mortos pelos nazistas. Aqui no Brasil, muito ainda precisa ser feito para que possamos fazer uma reflexão desta estória. Mais que punições ou enlamear o nome daqueles ligados ao centro de poder da ditadura, muito mais importante, é entendermos as lições da História para que estes fatos não se repitam.
Mas por fim ao longo de 21 anos, o arbítrio se desgastou. Não foi possível aos militares quebrar totalmente a resistência nas Universidades e na Igreja. Pouco a pouco a sociedade civil acordou e se reorganizou. Nos últimos estertores do golpe, denúncias eram tratadas com o indiciamento do denunciante, eleições, quando não fraudadas grosseiramente, eram desvirtuadas com o voto “vinculado” e assim por diante. O ato final viria com a mobilização popular, anistia, volta dos exilados, campanha pelas Diretas Já, eleições para governador, finalmente eleição (ainda indireta) de um presidente civil, etc. Poder-se-ia dizer que, muito mais que eleições diretas para presidente, o final da ditadura foi de fato e direito na Constituinte em 1988. Depois disso a Lei e o Judiciário voltaram a ser o centro da normalidade. Falta também uma reflexão sobre toda a luta que isto representou para o Povo Brasileiro. Ganhamos estes direitos constitucionais porque lutamos como comunidade por eles.

Origem da Diferença / Folha do Sul - 24.Março.2014



Origem da Diferença

Se pudéssemos voltar no tempo uns 250 anos, mais ou menos 1750. Com certeza iríamos encontrar um mundo muito diferente em termos de civilização. A Revolução Americana ainda está um quarto de século a frente, a Europa é o paraíso dos regimes absolutistas, quase tudo de origem manufaturada é feito de forma artesanal em casa por um sistema que os estudiosos no futuro (nosso presente) iriam chamar de sistema doméstico. A imensa maioria da população no mundo todo é analfabeta e vive no campo. Existe muita controvérsia mas em geral se admite que a média de vida neste período não chega a quarenta anos, alguns autores falam mesmo em trinta anos.
Então algo acontece! Começando exatamente nesta época na Inglaterra e em seguida se espalhando pelo mundo, principalmente no inicio na França, Alemanha e norte das Colônias (ou Nova Inglaterra, hoje região entre Boston e Nova York). O sistema doméstico começa a ser substituído pela fábrica e pelo capitalismo moderno. A sociedade se torna em todos os ramos sedenta por novidades e por produtos mais baratos. O choque que esta mudança provocou foi tão grande e poderoso que ainda hoje temos dificuldade em absorver alguns dos aspectos desta mudança.
A Inglaterra, origem da mudança e deste novo modo de produção, é também sede do inicio de uma serie de mudanças, revoluções políticas, novas leis, sindicatos, etc. Uma serie de eventos ocorrem e novas instituições aparecem nesta ilha ao norte da Europa que em poucos anos ela se torna o pais mais poderoso do planeta, com um exército e uma esquadra praticamente imbatíveis na época. Talvez a Inglaterra seja o primeiro e melhor exemplo de que modernas instituições tais como sindicatos, liberdade de imprensa e sistema legais modernos são uma necessidade e algo inevitável no mundo moderno. Todas as tentativas no sentido de coibir estas instituições acabam levando ao atraso ou a agitações e problemas sociais. Se olharmos o mapa do Mundo atual veremos que querer se manter em regimes fechados como Coreia do Norte apenas leva a atraso ou mesmo a fome em grande escala.
Mas a Inglaterra cometeu um erro. Deixaram uma área se atrasar: educação. Ao final do Século dezenove a Alemanha e os Estados Unidos tinham um sistema educacional, em todos os níveis, de vento em popa. A indústria inglesa começa a ficar atrasada enquanto Alemanha e Estados Unidos se destacam. Os ressentimentos e choque de interesses vão desembocar na Primeira Guerra Mundial. Um nome errado já que foi essencialmente uma guerra europeia. O choque entre Alemanha e Inglaterra / França só seria resolvido com a entrada dos Estados Unidos ao lado da Inglaterra. Mas o impacto do investimento em educação e pesquisa já tinha ficado bem claro para as camadas dirigentes mundo afora. Não fosse o processo de obtenção de amônia/nitrato desenvolvido na Alemanha em 1913, a mesma não teria condição de se manter na guerra nem por um ano pois a frota inglesa tinha cortado o fornecimento do guano chileno, fonte natural de nitratos, necessários à manufatura da pólvora. A indústria americana também demonstra uma força enorme na época em áreas como petróleo e aço. A pesquisa em áreas estratégicas tais como engenharia química e produção é feito incessantemente em instituições tais como o MIT na Nova Inglaterra. Com levas de estudantes se formando nas escolas de ensino básico e médio, estas instituições só precisam se dar ao trabalho de pegar os mais brilhantes.
A Inglaterra se torna pouco a pouco uma potência menor e isto que irá se refletir ao longo do século XX. O processo de descolonização iniciado com a independência da Índia em 1947, será repetido em todo o mundo nos próximos trinta anos. Seus reflexos e consequências ainda estão longe de poder ser totalmente avaliados, mas uma coisa ficou bastante certa para todas as elites esclarecidas mundo afora: o investimento na população em educação e pesquisa é altamente vantajoso e que elas, elites, teriam que se adaptar às mudanças inevitáveis nas estruturas antigas, agora tornadas arcaicas. Hoje, no Brasil ainda estamos no meio desta transição, enorme em tamanho, pois somos um pais continental e muito há a ser feito.

Coragem e Mudança / Folha do Sul - 17.Março.2014



Coragem e Mudança

Está correndo um e-mail na internet sobre um certo Senhor Silvino Geremia, gaúcho de São Leopoldo. O Senhor Geremia seria empresario e segundo o texto, ele estaria tendo problemas com o fisco, mais precisamente com o INSS. As razões para tal são que ele pagaria, e isso desde há bastante tempo, a educação dos funcionários da empresa do mesmo, a Geremia, fabricante de equipamentos para a indústria de petróleo. O INSS teria entendido que este pagamento seria “salário camuflado” e portanto isto daria direito a cobrança do tributo. O Senhor Geremia protesta contra esta situação e com razão coloca que seria mais fácil para ele comprar uma mercedinha e sair por ai mostrando o carro para os amigos do que tentar melhorar a situação das pessoas que trabalham para ele. Sua posição é bem clara de protesto contra os absurdos do sistema. As colocações no texto são bastante transparentes e mostram um cidadão como todos nós, que trabalha, administra suas contas, procura superar os obstáculos, inúmeros do dia a dia, e que por fim também tenta construir um pais melhor, apesar dos problemas que o próprio sistema cria.
A estória parecia muito verdadeira para ser verdade. Mas uma pesquisa rápida no Google revelou que na verdade este imbróglio se passou em 1996. De fato foi publicado na revista Exame na época. O mais importante de tudo, a exposição dos fatos levou o Presidente da República, na ocasião, Senhor Fernando Henrique Cardoso, a mudar a lei.
Devido ao tal e-mail, o Senhor Geremia está recebendo hoje uma enxurrada de e-mails diariamente parabenizando-o por sua atitude corajosa. Talvez com um  atraso de 15 anos. Mas muitas das pessoas não sabem que se conseguiu uma mudança. O Senhor Geremia deveria ser cumprimentado muito mais por mostrar que uma mudança é possível, que o sistema não é totalmente insensível às nossas reivindicações. Seu protesto foi muito bem colocado e o centro de poder não pode ficar sem tomar uma atitude de mudança.
Certamente não vivemos num mundo perfeito. Particularmente nosso pais tem muita coisa para ser mudada. Aqueles com poder de decisão muitas vezes preferem a omissão fácil do que a coragem de tomar uma atitude necessária. Por isso tivemos lutas para obtermos um pouco de democracia: com ela o homem do povo pode ter sua voz ouvida. O episódio Geremia mostra de forma cabal isto: a mudança é possível, basta que tenhamos a coragem para lutar por ela.
Um antigo ditado diz que espadas são armas poderosas, mas certamente a palavra, usada sabiamente, tem mil vezes mais poder! O Senhor Geremia merece realmente ser cumprimentado pela coragem, pela demonstração de civismo e cidadania e mais importante de tudo, por demonstrar que mudanças são possíveis.