terça-feira, 8 de abril de 2014

Aniversario / Folha do Sul - 31.Março.2014



Aniversario

Exatamente meio século atrás a lei foi quebrada. Nosso pais entrou numa noite escura e nebulosa que iria durar 21 anos. Um pesadelo tenebroso podemos dizer agora, na distância temporal que nos separa do golpe de 31 de março de 1964. Com a desculpa de proteger o pais de um golpe de extrema esquerda, desculpa esta engolida por muitos, incluindo nomes de peso tais como Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, Rubem Fonseca, etc, as Forças Armadas tomaram o poder. O apoio incluiu parcela considerável da sociedade civil, incluindo empresários, políticos, religiosos, até mesmo lideranças estudantis. Obviamente não havia um consenso total, mas o fato é que no final as forças “conservadoras” tomaram o poder na marra. Muitos, incluindo oficiais, eram contra aquela estória, nem tanto por ideologia mas por saberem o que significava a quebra das instituições. Poderíamos dizer que a resistência começou na hora mesma em que o golpe foi dado.
Os fatos que se seguiram são públicos. Tortura, arbitrariedade, pelo menos 214 mortos e 148 desaparecidos, fechamento do congresso, cassação de políticos, exílio forçado de milhares de brasileiros, sindicatos fechados, prisões arbitrárias, corrupção generalizada, etc. De tudo o centro da estória: suspensão dos direitos e garantias individuais de todo e qualquer cidadão. O golpe tinha sido dado exatamente com a desculpa de proteger estes direitos e garantias. As consequências sócias econômicas no final são o preço pesado que todo o pais pagou: inflação, dívida externa, estagnação econômica, favelização, etc.
Tivemos ditaduras ao longo do Século XX que ficarão marcadas na História: Hitler, Mussolini e Stalin são as que deixaram as marcas mais profundas. Certamente a ditadura brasileira teve um caráter “light” quando comparada com estes regimes monstruosos. Mesmo na nossa vizinhança, não tivemos o massacre que ocorreu na Argentina e no Chile. Nestes países as respectivas ditaduras não produziram centenas mas sim milhares de mortos, desaparecidos e torturados. Mesmo assim não existe justificativa para as insanidades domésticas nossas.
A censura à imprensa é um capítulo a parte. Prisão de jornalistas e falta de outra versão além da oficial se tornou algo normal. Estes regimes, no mundo todo sempre se caracterizaram por estes tipos de atitudes. Mais triste ainda é a atitude de parte da comunidade que acha normal esta situação sob a desculpa de que alguém tem que “manter a casa limpa”. Em outras palavras, se não tenho motivo para me preocupar com a Gestapo, problema do vizinho. Típico do final da Segunda Guerra foram os soldados americanos mostrando para as populações locais, que pouco ou nada tinham feito, os corpos (muitos) empilhados de homens, mulheres e crianças mortos pelos nazistas. Aqui no Brasil, muito ainda precisa ser feito para que possamos fazer uma reflexão desta estória. Mais que punições ou enlamear o nome daqueles ligados ao centro de poder da ditadura, muito mais importante, é entendermos as lições da História para que estes fatos não se repitam.
Mas por fim ao longo de 21 anos, o arbítrio se desgastou. Não foi possível aos militares quebrar totalmente a resistência nas Universidades e na Igreja. Pouco a pouco a sociedade civil acordou e se reorganizou. Nos últimos estertores do golpe, denúncias eram tratadas com o indiciamento do denunciante, eleições, quando não fraudadas grosseiramente, eram desvirtuadas com o voto “vinculado” e assim por diante. O ato final viria com a mobilização popular, anistia, volta dos exilados, campanha pelas Diretas Já, eleições para governador, finalmente eleição (ainda indireta) de um presidente civil, etc. Poder-se-ia dizer que, muito mais que eleições diretas para presidente, o final da ditadura foi de fato e direito na Constituinte em 1988. Depois disso a Lei e o Judiciário voltaram a ser o centro da normalidade. Falta também uma reflexão sobre toda a luta que isto representou para o Povo Brasileiro. Ganhamos estes direitos constitucionais porque lutamos como comunidade por eles.

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