Patriotismo
Vou confessar uma coisa, algo temerário de ser
dito, dependendo do círculo de amigos em que estou. Provavelmente irei até
perder alguns amigos, correndo o risco de ser processado pelo governo, podendo
até ser expulso do pais, sem perdão. Faço esta confissão ciente da minha culpa
no cartório e sabendo que em nenhum tribunal conseguirei me defender ou obter
recurso.
Sob grande emoção e ciente das consequências, eu
confesso, não privadamente, como tenho feito até hoje, mas para todo o público,
e de forma bastante enfática: Não gosto de futebol! Não gosto de assistir na
televisão, não tenho a mínima vontade de sair jogando uma pelada com amigos, se
tento brincar com a bola, sou um verdadeiro perna de pau, com direito a Taça
FIFA de pior do mundo. Acho um jogo chato, sem graça, e em que, muitas vezes,
existe suficiente margem para desconfiarmos de “marmelada”. Se alguém duvida
desta última afirmação, quero lembrar a final (esta eu assisti) entre Brasil e
França (na França), em que a Seleção Francesa ganhou de um time que tinha sido
brilhante até ali e que de repente perdeu o brilho, deixando a taça de campeão
para nossos amigos europeus e deixando muita gente por aqui sem ter o que
dizer.
Algumas coisas estão acontecendo ao meu redor que
fazem com que eu tome esta atitude extrema e de tremenda coragem. Uma delas é
que a expressão “padrão FIFA” está se tornando parte sarcástica do nosso vocabulário. Hospitais, escolas, infra-estrutura em geral estão muitas vezes em
péssimas condições ou com obras atrasadas. Este seria o padrão do nosso dia a
dia. Já estádios de primeiro mundo, coisa de uma civilização definitivamente
dentro do século 22, estes sim seriam “padrão FIFA”. Nada mais natural que o
povo brasileiro, gozador por natureza, escolhesse o termo. A expressão “da
lata” surgiu porque anos atrás um carregamento de marijuana (por aqui conhecida
como maconha) em lata ia ser apreendido em um navio pela policia marítima ao
longo da costa do Rio de Janeiro. Ao verificarem que iriam em cana, os
traficantes trataram de se livrar da evidência e jogaram tudo ao mar. Por
semanas, até meses, houve busca intensa pelos usuários da droga enlatada pelas praias
do Rio de Janeiro e então a expressão entrou para o jargão popular assim como a
mais recente. Talvez o povo brasileiro, na sua imensa sabedoria, saiba pelo
menos dar nome para as drogas que ele tem que engolir, forçadamente ou não.
Outra é uma
constatação, mas que talvez se reverta nos próximos dias, do fato que não foram
colocadas bandeiras em carros ou casas, com algumas (raras) exceções. Talvez
isto seja um fenômeno apenas de Bagé, mas um passeio na manhã de sábado pela
Avenida Sete e não se vê nenhum carro com uma bandeira brasileira. Um contraste
total com anos atrás quando toda uma expectativa existiria em torno da
competição e que isto seria assunto de estado. Alias talvez continue sendo
assunto de estado, mas o que se vê na televisão são representantes do governo,
alguns falando de forma quase gaga, dando explicações do dinheiro (nosso) de impostos
que foram gastos nos tais estadios.
Será que porque não botamos bandeiras do Brasil (na
copa), seremos menos patriotas? Ou será que o brasileiro, assim como eu, está
deixando de gostar de futebol? Não creio em nenhuma das duas. Somos um povo de
patriotismo maior que ousamos até confessar e o povo brasileiro não vai deixar
de gostar de futebol da noite para o dia. A melhor explicação que se pode dar
para este fenômeno de “protesto silencioso coletivo” é que a população não está
satisfeita de ter o sentimento de saber que a prioridade do governo são estádios para uma competição de uma instituição (FIFA) que nem brasileira é.
Talvez uma reflexão pública pelos nossos governantes do que é realmente
importante e prioritário para o pais seria algo de grande sabedoria em vez de
desculpas que soam esfarrapadas e parecem no final mais confissões que outra
coisa.
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