Falta do que fazer
Está nos jornais do fim de semana: a Câmara dos
Deputados estaria analisando um projeto de lei em que seria proibido o uso de
carroças movidas com força animal nas cidades com mais de 80 mil habitantes. A
desculpa da lei é que estariam ocorrendo “maus-tratos” com os animais e assim
“teríamos cavalos, burros, jegues e jumentos devidamente protegidos”. A noticia
em si é bastante preocupante, pois se este tipo de assunto é tratado com
seriedade em Brasília, certamente estamos entregues às baratas no que diz
respeito ao trato legislativo. Ou talvez seja alguma conspiração para
desmoralizar mais ainda a classe política... Peço desculpas ao leitor se não
tenho o mesmo dom de redação que o saudoso Stanislaw Ponte Preta (nome artístico
do escritor Sérgio Porto), grande gozador e crítico deste tipo de estória. Seus
dois livros Febeapá 1 e 2 (Festival da Besteira que Assola o Pais) são leitura
essencial para se ter uma introdução ao modo gozador como o brasileiro encara
situações esdrúxulas e que beiram o total ridículo. Stanislaw certamente
saberia colocar esta estória como vinda de “gente indigente, que se pensa
inteligente, metida a dirigente”, como ele mesmo coloca em uma das situações
descritas nos seus livros, situações não muito distantes da atual.
O primeiro problema da tal lei, se conseguir
superar as inúmeras barreiras para ser aprovada, seria o destino dos animais.
Retirada a fonte de sustento de suas famílias, provavelmente os carroceiros,
submetidos a uma situação econômica vil e degradante, irão vender seus animais
para o abatedouro mais próximo para poderem dar um pouco de pão para a família
em casa. Assim em vez de se proteger os animais, certamente uma lei deste tipo
iria manda-los para um destino em que realmente todos os sofrimentos deles
estarão terminados. Desnecessário lembrar que alguns dos animais mais bem
cuidados que podemos ver ao nosso redor são exatamente os dos carroceiros.
Dentro da situação de necessidade por que muitos passam, o mais correto e
lógico é terem um cuidado com a fonte de sustento, no caso o cavalo ou a mula.
Talvez os nossos nobres legisladores em Brasília
possam também se lembrar que muitas famílias dependem desta atividade. Tive no
sábado a visão tocante da família de um carroceiro, ele o marido, a mulher e
quatro filhos pequenos, resolvendo problemas no centro. A questão que fica é se
algo como esta lei ocorre, o que será desta família? A falta de sensibilidade
com a nossa realidade social é estarrecedora, digna de estudo psicológico mais
profundo. Aparentemente os legisladores em Brasília também tem a solução para o
futuro problema social: serão financiadas bicicletas para os futuros
ex-carroceiros. Isso soa como mais uma estória do Febeapá. Como irão os
carroceiros transportar sacos de cimento em uma bicicleta? Como irão fazer
mudanças?
Como todo mundo conheço políticos, de todas as
correntes e ideologias, alguns mais isso, outros mais aquilo. Sei que com
certeza muitos irão defender os nossos carroceiros, particularmente aqueles
aqui de Bagé. Minha esperança é que este tipo de legislação morra antes mesmo
de ir para o plenário. Mais triste ainda é vê-la divulgada como se isto fosse
algum tipo de progresso. Coitados dos carroceiros, já bastante maltratados por
uma atividade que mal e mal dá para levar o sustento para casa, mais
legislações de licenciamento, fiscalização, etc. Agora precisam ficar no stress
de poderem perder a sua fonte de renda. Seria talvez necessário lembrar aos
visionários proponentes desta lei que as pessoas que eles irão atingir são
pessoas humildes, que labutam muitas vezes de sol a sol, que não irão ter
auxilio de advogados caros, não saberão nem como começar uma contenda judicial
para tentar segurar seus direitos, etc.
Fica não só a esperança que este tipo de proposta
seja barrada no nascedouro, mas que também outras semelhantes não apareçam sob
o risco de desmoralizar o nosso parlamento. Caso os parlamentares necessitem de
temas, sugiro que tomem conhecimento que temos escolas, hospitais, estradas,
etc. Brasil afora, muitas precisando de reformas urgentes. Temos também obras
caindo, falta de policiamento, excesso de burocracia, etc. Seria mais
interessante que deixassem os carroceiros em paz trabalhando e focassem nestes
problemas, estes sim sérios e dramáticos.
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