segunda-feira, 21 de julho de 2014

Falta do que fazer / Folha do Sul - 21.Julho.2014



Falta do que fazer

Está nos jornais do fim de semana: a Câmara dos Deputados estaria analisando um projeto de lei em que seria proibido o uso de carroças movidas com força animal nas cidades com mais de 80 mil habitantes. A desculpa da lei é que estariam ocorrendo “maus-tratos” com os animais e assim “teríamos cavalos, burros, jegues e jumentos devidamente protegidos”. A noticia em si é bastante preocupante, pois se este tipo de assunto é tratado com seriedade em Brasília, certamente estamos entregues às baratas no que diz respeito ao trato legislativo. Ou talvez seja alguma conspiração para desmoralizar mais ainda a classe política... Peço desculpas ao leitor se não tenho o mesmo dom de redação que o saudoso Stanislaw Ponte Preta (nome artístico do escritor Sérgio Porto), grande gozador e crítico deste tipo de estória. Seus dois livros Febeapá 1 e 2 (Festival da Besteira que Assola o Pais) são leitura essencial para se ter uma introdução ao modo gozador como o brasileiro encara situações esdrúxulas e que beiram o total ridículo. Stanislaw certamente saberia colocar esta estória como vinda de “gente indigente, que se pensa inteligente, metida a dirigente”, como ele mesmo coloca em uma das situações descritas nos seus livros, situações não muito distantes da atual.
O primeiro problema da tal lei, se conseguir superar as inúmeras barreiras para ser aprovada, seria o destino dos animais. Retirada a fonte de sustento de suas famílias, provavelmente os carroceiros, submetidos a uma situação econômica vil e degradante, irão vender seus animais para o abatedouro mais próximo para poderem dar um pouco de pão para a família em casa. Assim em vez de se proteger os animais, certamente uma lei deste tipo iria manda-los para um destino em que realmente todos os sofrimentos deles estarão terminados. Desnecessário lembrar que alguns dos animais mais bem cuidados que podemos ver ao nosso redor são exatamente os dos carroceiros. Dentro da situação de necessidade por que muitos passam, o mais correto e lógico é terem um cuidado com a fonte de sustento, no caso o cavalo ou a mula.
Talvez os nossos nobres legisladores em Brasília possam também se lembrar que muitas famílias dependem desta atividade. Tive no sábado a visão tocante da família de um carroceiro, ele o marido, a mulher e quatro filhos pequenos, resolvendo problemas no centro. A questão que fica é se algo como esta lei ocorre, o que será desta família? A falta de sensibilidade com a nossa realidade social é estarrecedora, digna de estudo psicológico mais profundo. Aparentemente os legisladores em Brasília também tem a solução para o futuro problema social: serão financiadas bicicletas para os futuros ex-carroceiros. Isso soa como mais uma estória do Febeapá. Como irão os carroceiros transportar sacos de cimento em uma bicicleta? Como irão fazer mudanças?
Como todo mundo conheço políticos, de todas as correntes e ideologias, alguns mais isso, outros mais aquilo. Sei que com certeza muitos irão defender os nossos carroceiros, particularmente aqueles aqui de Bagé. Minha esperança é que este tipo de legislação morra antes mesmo de ir para o plenário. Mais triste ainda é vê-la divulgada como se isto fosse algum tipo de progresso. Coitados dos carroceiros, já bastante maltratados por uma atividade que mal e mal dá para levar o sustento para casa, mais legislações de licenciamento, fiscalização, etc. Agora precisam ficar no stress de poderem perder a sua fonte de renda. Seria talvez necessário lembrar aos visionários proponentes desta lei que as pessoas que eles irão atingir são pessoas humildes, que labutam muitas vezes de sol a sol, que não irão ter auxilio de advogados caros, não saberão nem como começar uma contenda judicial para tentar segurar seus direitos, etc.
Fica não só a esperança que este tipo de proposta seja barrada no nascedouro, mas que também outras semelhantes não apareçam sob o risco de desmoralizar o nosso parlamento. Caso os parlamentares necessitem de temas, sugiro que tomem conhecimento que temos escolas, hospitais, estradas, etc. Brasil afora, muitas precisando de reformas urgentes. Temos também obras caindo, falta de policiamento, excesso de burocracia, etc. Seria mais interessante que deixassem os carroceiros em paz trabalhando e focassem nestes problemas, estes sim sérios e dramáticos.

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