quinta-feira, 3 de julho de 2014

Cem anos / Folha do Sul - 30.Junho.2014



Cem anos

No meio da disputa da Copa, internacional mas felizmente pacífica (fora mordidas em campo e as faltas em cima do Neymar), estamos completando um século do inicio da Primeira Guerra Mundial, na verdade uma guerra mais europeia que exatamente “mundial”. Uma guerra cuja justificativa era que seria travada para acabar com todas as guerras, no final das contas apenas dando inicio ao ciclo de violência do Século Vinte, após praticamente um século de relativa paz e estabilidade, particularmente na Europa.
As tensões que levaram a um conflito desta magnitude já vinham se acumulando desde décadas antes de 1914. Disputas imperialistas por colônias na África e na Ásia alimentavam uma rivalidade europeia com raízes por vezes em contendas territoriais da Idade Média. Toda uma rede de alianças estava armada quando ao ocorrer o atentado que matou o príncipe Francisco Ferdinando, herdeiro do império austro-húngaro, em 28 de junho de 1914, durante sua visita a Saravejo (Bósnia-Herzegovina) foi como se um jogo de dominó caísse, uma peça em cima da outra. Nas semanas que se seguiram declarações de guerra foram a norma nas relações entre as nações. Apesar de toda retórica, poucos poderiam prever as consequências de tanta irresponsabilidade por parte das lideranças políticas europeias, que deixaria no final um saldo de mais de 20 milhões de mortes.
As armas modernas tais como tanques, metralhadoras, aviões, etc, iriam ser usadas pela primeira vez em larga escala neste conflito. Apesar dos avanços tecnológico, os generais continuavam a pensar em táticas do século 19, onde espingardas e espadas eram o padrão. Não é de se surpreender com a dizimação de batalhões inteiros por total incompetência militar. Não apenas o aspecto militar, mas mesmo a logística foi por demais complexa numa escala de luta nunca vista antes. Aspectos como o total despreparo do estado russo czarista e o fim inevitável do mesmo com o estabelecimento da União Soviética comunista mudaria o equilíbrio de poder ideológico em todo o planeta. A Alemanha mesma não tinha reservas de nitrato natural, indispensáveis a fabricação de armamentos. Não fossem os métodos sintéticos de aproveitamento do nitrogênio atmosférico, desenvolvidos pelos químicos alemães, a Alemanha não conseguiria suportar nem mesmo um ano de guerra. E assim por diante.
Durante quatro longos anos, centenas de milhares de homens dividiram trincheiras com ratos e baratas no meio da pior imundície. Apesar da Guerra Civil Americana (1865) já ter sido um “avant première”, é na Primeira Guerra que o sentido de guerra total, com uso de armas de extermínio, sujas ou não, campos de concentração, genocídio, etc, vai tomar forma. O pesadelo das eternas guerras do século 20 tem seu esboço traçado ali.
Ao final da guerra, todo um novo mapa político estava desenhado. Impérios tinham desmoronado e novas nações surgido. A divisão entre Capitalismo e Comunismo iria durar quase todo o Século 20 com repercussões em todo o planeta, inclusive no Brasil, onde sob a desculpa de proteção contra as correntes ideológicas de esquerda, golpes de estado foram dados. O fim do Império Turco desenhou um mapa inteiramente novo no Oriente Médio, onde a política Anglo-Francesa apenas aumentou as tensões e rivalidades políticas (algumas com raízes remontando ao tempo do Profeta Maomé), deixando um legado que tem consequências até hoje.
O tratado de Versailles, a paz cartaginesa como assim a definiu Keynes, apenas manteve muitas das questões políticas em aberto, além de levar a uma crise econômica sem precedentes para as potências perdedoras, penalizando no final todo o mundo. A crise de 1929, o advento do nazismo e a Segunda Guerra tiveram suas sementes plantadas neste acordo, em que ao invés de se resolver os problemas coletivos, cada pais tratou de puxar a brasa para a sua sardinha. O mundo todo iria pagar nos anos vindouros a falta de uma liderança mais esclarecida e menos comprometida com objetivos egoísticos e mesquinhos.

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