A Ponte
Somos o único pais da América Latina que teve um
governo europeu transplantado diretamente do Velho Mundo para cá. A vinda de D.
João VI fez uma diferença cujos efeitos tiveram repercussão profunda. Com a
família real portuguesa veio praticamente toda a corte. Nobres,
administradores, clérigos, professores, enfim toda a elite portuguesa se mudou
para a Terra Brasilis, Quando anos mais tarde, muito a contragosto, D. João VI
volta para Portugal, a maior parte desta elite fica e com ela as instituições.
A Independência pode ser interpretada como um evento em que estas elites
resolveram se desligar de um Portugal muito diferente daquele que eles haviam
deixado. Na verdade um Portugal que pouco a pouco estava se alinhando com as
tendências modernizadoras da Europa do inicio do século 19. Em outras palavras,
a nossa Independência foi de cunho conservador e sob muitos aspectos retrógrada.
O liberalismo europeu foi “adaptado” para os interesses da elite anteriormente
portuguesa e agora brasileira. Nossas instituições foram assim herdadas
diretamente da Europa absolutista.
Devido a estas instituições, ao contrario do
restante da América Latina, pudemos manter unida a nossa integridade territorial.
A América Espanhola, após a independência, se dividiu em dezenas de paises,
muitos dos quais extremamente minúsculos. Nossa unidade foi mantida, muitas
vezes a ferro e fogo, mas foi mantida. Não que houvesse resistência aos
desmandos da Corte no Rio de Janeiro. As revoltas estouraram na primeira metade
do século 19, uma atrás da outra. Os nomes se sucedem: Revolta dos Cabanos,
Sabinada, Confederação do Equador, Balaiada e outros tantos que ouvimos falar
na escola e rapidamente esquecemos. Um nome no entanto ficou e é lembrado com
carinho pelos gauchos e com admiração pelo resto do Brasil: Revolta dos
Farrapos, mais conhecida como Revolução Farroupilha.
Os detratores dizem que foi uma revolta sem
vitórias. Mas será sem vitória uma revolução que consegue proclamar uma nova
nação e mantê-la por quase dez anos? Será sem glória uma luta que só pode
terminar com um acordo? Necessário lembrar que o governo imperial, mais para
tirânico que outra coisa, era implacável em punir aqueles que ousassem se
revoltar. Basta olhar como foi a repressão na Bahia e no Pará em eventos
semelhantes na mesma época. O retorno da província de São Pedro do Rio Grande
do Sul teve que ser através de negociações e toda a luta no final custou quase
50 mil vidas.
Mais importante de tudo, junto com a luta, vieram
ideais europeus modernos. A ligação-ponte com a Europa, tão necessária, iria
ocorrer através dos Farrapos. O casal Garibaldi, Anita e Giussepe, são a
síntese maior deste espirito revolucionário, mas não são os únicos. Outros revolucionários europeus aqui estiveram. Interessante que a luta aqui ocorreu
numa época em que também ocorriam tumultos e revoltas na Europa. Estas lutas
intestinas no Velho Mundo iriam perdurar até 1848, após o que temos um período
de quase paz (com as exceções notáveis da guerra franco-prussiana e da guerra
da Criméia) até o inicio da Primeira Guerra Mundial (1914). A República
Piratini perdura como tal até 1845. Impossível de não se perceber datas tão
próximas.
Pergunte a crianças de outros estados sobre
movimentos semelhantes. As crianças baianas talvez saibam sobre o “2 de julho”,
que na verdade é relativo a independência, mas dificilmente saberão sobre a
revolta dos alfaiates, tão tristemente abafada pelo governo colonial. Mas
certamente qualquer criança gaucha sabe sobre a revolução farroupilha. Para surpresa
de forasteiros como eu mesmo, que adotaram este lugar para ser sua nova pátria,
o hino dos farrapos é cantado com o mesmo respeito que para o hino nacional.
Pergunte à um carioca ou paulista qual o hino do seu estado!
Os farrapos trouxeram com o seu grito de guerra uma
coisa importante: a esperança de que seria possível mudar o Brasil, torná-lo
mais e mais para os brasileiros, mas também mostraram que isto não seria de
graça.
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