segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A Ponte - Folha do Sul / 16.Setembro.2013



A Ponte

Somos o único pais da América Latina que teve um governo europeu transplantado diretamente do Velho Mundo para cá. A vinda de D. João VI fez uma diferença cujos efeitos tiveram repercussão profunda. Com a família real portuguesa veio praticamente toda a corte. Nobres, administradores, clérigos, professores, enfim toda a elite portuguesa se mudou para a Terra Brasilis, Quando anos mais tarde, muito a contragosto, D. João VI volta para Portugal, a maior parte desta elite fica e com ela as instituições. A Independência pode ser interpretada como um evento em que estas elites resolveram se desligar de um Portugal muito diferente daquele que eles haviam deixado. Na verdade um Portugal que pouco a pouco estava se alinhando com as tendências modernizadoras da Europa do inicio do século 19. Em outras palavras, a nossa Independência foi de cunho conservador e sob muitos aspectos retrógrada. O liberalismo europeu foi “adaptado” para os interesses da elite anteriormente portuguesa e agora brasileira. Nossas instituições foram assim herdadas diretamente da Europa absolutista.
Devido a estas instituições, ao contrario do restante da América Latina, pudemos manter unida a nossa integridade territorial. A América Espanhola, após a independência, se dividiu em dezenas de paises, muitos dos quais extremamente minúsculos. Nossa unidade foi mantida, muitas vezes a ferro e fogo, mas foi mantida. Não que houvesse resistência aos desmandos da Corte no Rio de Janeiro. As revoltas estouraram na primeira metade do século 19, uma atrás da outra. Os nomes se sucedem: Revolta dos Cabanos, Sabinada, Confederação do Equador, Balaiada e outros tantos que ouvimos falar na escola e rapidamente esquecemos. Um nome no entanto ficou e é lembrado com carinho pelos gauchos e com admiração pelo resto do Brasil: Revolta dos Farrapos, mais conhecida como Revolução Farroupilha.
Os detratores dizem que foi uma revolta sem vitórias. Mas será sem vitória uma revolução que consegue proclamar uma nova nação e mantê-la por quase dez anos? Será sem glória uma luta que só pode terminar com um acordo? Necessário lembrar que o governo imperial, mais para tirânico que outra coisa, era implacável em punir aqueles que ousassem se revoltar. Basta olhar como foi a repressão na Bahia e no Pará em eventos semelhantes na mesma época. O retorno da província de São Pedro do Rio Grande do Sul teve que ser através de negociações e toda a luta no final custou quase 50 mil vidas.
Mais importante de tudo, junto com a luta, vieram ideais europeus modernos. A ligação-ponte com a Europa, tão necessária, iria ocorrer através dos Farrapos. O casal Garibaldi, Anita e Giussepe, são a síntese maior deste espirito revolucionário, mas não são os únicos. Outros revolucionários europeus aqui estiveram. Interessante que a luta aqui ocorreu numa época em que também ocorriam tumultos e revoltas na Europa. Estas lutas intestinas no Velho Mundo iriam perdurar até 1848, após o que temos um período de quase paz (com as exceções notáveis da guerra franco-prussiana e da guerra da Criméia) até o inicio da Primeira Guerra Mundial (1914). A República Piratini perdura como tal até 1845. Impossível de não se perceber datas tão próximas.
Pergunte a crianças de outros estados sobre movimentos semelhantes. As crianças baianas talvez saibam sobre o “2 de julho”, que na verdade é relativo a independência, mas dificilmente saberão sobre a revolta dos alfaiates, tão tristemente abafada pelo governo colonial. Mas certamente qualquer criança gaucha sabe sobre a revolução farroupilha. Para surpresa de forasteiros como eu mesmo, que adotaram este lugar para ser sua nova pátria, o hino dos farrapos é cantado com o mesmo respeito que para o hino nacional. Pergunte à um carioca ou paulista qual o hino do seu estado!
Os farrapos trouxeram com o seu grito de guerra uma coisa importante: a esperança de que seria possível mudar o Brasil, torná-lo mais e mais para os brasileiros, mas também mostraram que isto não seria de graça.

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