terça-feira, 11 de novembro de 2014

Paradoxos Surrealistas / Folha do Sul - 10.Novembro.2014



Paradoxos Surrealistas

Salvador Dali (1904-1989) foi um artista espanhol mais conhecido pelos seus trabalhos em pintura. As cores fortes de seus quadros, temas como relógios que se derretem e fundem, bigodes extravagantes e o amor pela musa inspiradora Gala (sua esposa de 1934 até a morte da mesma em 1982) são marcas conhecidas deste grande artista que adotou em muitos dos seus trabalhos a linha conhecida por Surrealismo. À primeira vista, os quadros de Dali parecem ter saído de algum manicômio, mas quando se busca os detalhes e o contexto em que estão colocados, nos trazem para uma reflexão profunda do mundo em que estamos vivendo.
Talvez um artista surrealista pudesse encontrar inspiração no momento político brasileiro atual, de fortes cores, para disser o mínimo. Acabamos de sair de uma eleição, e esta saída, com a vitória da candidata da situação, tem todas as cores de um quadro de Salvador Dali, com situações surreais em que tudo parece estar ao avesso.
Ao longo do período eleitoral tivemos todo tipo de golpe baixo, com acusações muitas vezes de baixo calão. Poderíamos dizer que até ai tudo bem, pois baixaria em eleição é normal, visto o nível em a luta política é muitas vezes travada. Fica apenas o registro que a pancadaria acabou muitas vezes resvalando para o lado pessoal. Após a apuração, ocorreram denúncias de todo tipo sobre “problemas” na contagem dos votos, muitas destas denúncias referentes ao uso da urna eletrônica, na verdade uma enxurrada de denúncias. No dia da eleição, urnas apuradas, era visível a preocupação da presidente reeleita, Senhora Rousseff, com o fato adicional, mas relevante, de que sua vitória tinha sido pela menor margem possível.
Estas são as cores do fundo do nosso quadro surrealista. A presidente diz querer diálogo, mas dialogar o que e com quem? O seu próprio partido perdeu força no parlamento e o principal partido aliado mostra sinais de que não tem intenções de ficar em um barco à deriva, ou pior naufragando. O candidato derrotado, Senhor Neves, foi recebido no Senado com ovação, enquanto a Senhora Rousseff apresenta pouca ou nenhuma visibilidade. Um marciano que pousasse aqui hoje, diria que o vitorioso foi o Senhor Neves, o qual, agora alçado a líder da oposição, deixou bem claro que qualquer diálogo passa pelas investigações dos escândalos.
A cor mais forte fica por conta da apuração em si. O partido derrotado resolveu fazer um pedido menor e relativamente inócuo de auditoria do modo como foi conduzida a eleição. O tribunal em que foi julgado o pedido resolveu acatar a maioria dos pedidos da ação, menos que fosse colocado o nome “auditoria”. Vitória para os dois lados! Não há coração surrealista que aguente. Mesmo assim pouco temos a esperar de resultados concretos imediatos desta investigação. Podemos ter a esperança que pelo menos acabem com esta estória de urna eletrônica, uma aberração tecnológica em que nunca iremos ter certeza do resultado final, em que sempre irá ocorrer a suspeita de fatos mal contados. E mancha de suspeição em eleição é algo que fica marcado!
Para completar o drama, o governo resolve, logo após a eleição, aumentar juros e combustíveis, coisas que se acusava o Senhor Neves de fazer cair sobre o pais como uma verdadeira bomba cataclísmica. Olhando tudo junto, não é de se estranhar que mesmo antes da posse dos novos parlamentares, que o atual congresso já esteja com muita, mas muita mesmo, má vontade, para aprovar o que quer que seja da Senhora Rousseff. A consciência de que boa parte do eleitorado não aprova o atual governo faz com que muitos parlamentares coloquem o seu voto na Internet, para que todos saibam.
Com isso fechamos nosso quadro, apesar de parecer louco, de louco nada tem, muito lógico na verdade. A Senhora Rousseff ganhou a eleição, como, não importa, mas terá que governar um pais com uma crise econômica e política que não pode mais acusar antecessores de terem provocado, e pior, com uma grande parcela do eleitorado e do parlamento contra ela. Caso não consiga reverter a difícil situação em que a nação se encontra, mais fortes irão ficar as cores contra ela neste quadro digno da genialidade de Salvador Dali.

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