Limite da Apelação
Com o advento da midia televisiva, toda uma mudança
de hábitos ocorreu em amplas faixas da população. Setenta anos atrás a reunião
da família após o jantar seria em torno do radio para escutar o noticiario ou
algum outro programa. A televisão possibilitou não só a comunicação através de
sons como também através de imagens vivas para a grande massa, algo nunca antes
ocorrido na história humana. Desde então até o advento da internet, o reinado
da televisão como opção de lazer para as pessoas foi imbatível. Pouco a pouco
foram tomados espaços do radio e mesmo do cinema. Aspectos culturais passaram a
ser disseminados por amplas faixas da população que relegaram outras formas de
entretenimento ao segundo plano. Um filme interessante que retrata muito bem esta
transformação é “Bye bye Brasil” com o saudoso José Wilker, onde uma tropé de
circo descobre que a invasão das “espinhas de peixe” (antenas de televisão) nos
telhados de uma cidade é sinal de que terão pouca platéia na localidade.
As grandes redes acabaram tendo o monopólio por
décadas até que com a internet, tv a cabo e equipamentos mais acessíveis, pouco
a pouco vão aparecendo outras opções, num espectro amplo que vai desde
programas religiosos até canais com conteúdo digamos mais “picante”, tendo
assim o telespectador a liberdade de escolha de que programa lhe interessa. Novas
opções de entretenimento terminaram com a falta de alternativas nos domingos
onde muitas vezes a única opção era ligar a televisão e ver algum programa de
auditório ou um ou outro enlatado.
Escrevo estas linhas deixando bem claro que não sou
o tipo do cidadão televisivo (me refiro a tv convencional). Gosto de ver o
jornal da manhã e alguns programas do tipo educativo ou informativo. Acho
inclusive que o pessoal das emissoras busca dar ao público o melhor em termos
de informação e jornalismo com mais realismo e neutralidade que alguns setores
políticos gostariam de reconhecer que acontece.
Lamentavelmente para se segurar a audiência, que
tende a buscar outras opções, muitas vezes programas são feitos com conteúdo
apelativo, e esta apelação tem muitas vezes o efeito bumerang de afastar uma
boa parte dos telespectadores. Cenas picantes, certamente não são o melhor
prato para a hora que a familia inteira está reunida na sala de estar. Quando
me refiro a familia, quero incluir não apenas os adultos, mas também crianças,
adolescentes e idosos. Certamente não é a coisa mais agradavel ver cenas de
sexo ou quase na hora do jantar quando todos estão reunidos.
O efeito que acaba ocorrendo, portanto, é o de
muitas pessoas preferirem buscar outras opções e algumas inclusive preferem nem
ter tv em casa. Recentemente, por temor à queda de audiência, uma novela do horário
nobre teve a suas cenas “picantes” minimizadas. Esta noticia estava na internet
e é interessante que tenha ocorrido sem nenhuma necessidade de “censura
oficial”. Certamente se queremos ter liberdade de expressão no pleno sentido da
palavra, contos eróticos e correlatos tem o seu canal de expressão mas
certamente se espera ver algo mais leve no horario nobre. Talvez uma
“fronteira” tenha sido atingida sem necessidade de demarcação, algo tão natural
como um fenomêno geográfico tal como um rio ou lago.
Alias a tão decantada liberdade de expressão vem
com o natural limite de que não se deve ferir o direito de terceiros, conceito legal
dos mais básicos, a não ser, é claro, que ocorra a descrição de fatos
acompanhados de provas concretas. Muito preocupante é o uso de estereótipos
para exatamente atrair audiência. Querer colocar que esta ou aquela característica,
principalmente as que podem ser interpretadas como negativas, são por causa de
raça, classe social, crença religiosa ou etnia cultural, é no mínimo absurdo e
pior, denota uma total falta de tato com as pessoas e a comunidade. Uma serie recente,
com um nome que parece ter sido tirado de algum conto de literatura de
terceira, acabou tendo como resultado
protestos e a entrada da rede de televisão sendo pixada no meio da confusão,
seguindo-se o debate na net se tanto a serie como os protestos teriam
cabimento. Provavelmente isto tudo era previsível e o melhor seria talvez uma
estória sem exploração de estereótipos nem com conotações que beiram o
preconceito, pelo menos no nome.
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