sábado, 22 de junho de 2013

"NASCIDO DAS CINZAS" - Revista Amanhã / Maio 2013



Revista Amanhã – Maio 2013

Nascido das cinzas

  
CRM: companhia pode se beneficiar do projeto que prevê o uso do carvão como matéria-prima

O carvão mineral sempre foi uma espécie de riqueza maldita do Rio Grande do Sul. Disponível em abundância, o minério pode catapultar o desenvolvimento econômico do centro do Estado, especialmente na região de Candiota. Entretanto, por ser poluente, permanece subexplorado e só entra na pauta do governo quando secam os reservatórios das hidrelétricas. A boa notícia é que já há alternativas em estudo para que o Estado consiga, finalmente, desenterrar as riquezas de Candiota – e com um impacto ambiental pequeno. Uma delas é utilizar o carvão gaúcho não só para produzir energia, mas também para extrair insumos para a indústria química. Em outras palavras, fazer de Candiota o primeiro polo carboquímico do país.

A ideia não é nova. Inspira-se no caso da cidade de Sasolburg, na África do Sul, onde o carvão há tempos é utilizado não só como fonte de energia, mas também como fonte de insumos carboquímicos. 

O projeto consiste em estruturar uma cadeia produtiva a partir da gaseificação do carvão, que gera metanol – matéria-prima de subprodutos como eteno, propeno, formaldeído e outros. Que são utilizados para fabricar desde fertilizantes até ração para bois, explica Sérgio Meth, professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), idealizador do plano. “Podemos produzir entre 1 e 2 milhões de toneladas de metanol por ano”, assegura. O empreendimento também ajudaria o Brasil a reduzir as importações de ureia – atualmente, diz Meth, as compras do insumo custam US$ 1 bilhão por ano ao país. “A partir do gás carbônico presente no gás de síntese do carvão (syngas), é possível obter a ureia, que é matéria-prima de fertilizantes e ração”, pontua. “Temos linha férrea, estradas e o porto de Rio Grande para escoar a produção.”

A formação de um polo carboquímico pode dar novo alento também à indústria mineradora. Elifas Simas, presidente da Companhia Riograndense de Mineração (CRM), destaca que, hoje, o carvão responde por apenas 1,5% da energia gerada no país. “Já a Alemanha produz 45% de sua energia através do carvão, e os Estados Unidos, 41%”, compara. Ele diz que o carvão gaúcho funciona muito bem para geração, mas apresenta algumas desvantagens como a enorme quantidade de cinzas (50%) e de enxofre. Com o polo, esse problema se transformaria em uma solução. O deputado federal Afonso Hamm (PP-RS), líder da Frente Parlamentar em Defesa do Carvão Mineral Gaúcho, conta que o polo carboquímico pode beneficiar inclusive o polo petroquímico. “É possível mandar eteno e polietileno de Candiota para Triunfo. Isso otimiza o retorno financeiro”, garante.

A produção de combustíveis é outro benefício da gaseificação do carvão mineral. Sérgio Meth, da Unipampa, traz como exemplo os projetos de cerâmica, que poderiam receber a contribuição do gás de síntese. “Falta combustível para esses projetos, não argila”, argumenta. Além disso, a atividade carboquímica é menos poluente que a petroquímica, diz Meth. “Menos gás carbônico, enxofre e óxido de enxofre são liberados na atmosfera. O benefício financeiro também é maior”, conta o professor. Pelos cálculos dele, o polo carboquímico demandaria investimentos de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões – mas, no longo prazo, geraria receitas de até R$ 4 bilhões anuais.

O polo carboquímico pode gerar um benefício econômico extra: a estabilidade para as empresas que exploram carvão mineral. Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), diz que os preços do setor ainda oscilam muito. Mas se diz otimista em relação às medidas recentes anunciadas pelo governo federal. “A presidente Dilma Roussef informou que serão desonerados impostos na cadeia de fabricação de fertilizantes. É um passo fundamental”, analisa. Mas não é suficiente. Mais do que medidas paliativas, o setor demanda uma política de longo prazo. “Precisamos de uma política para o carvão mineral. Ainda não temos”, resume o deputado Afonso Hamm. Um passo nesse sentido foi dado em novembro do ano passado, quando o prefeito de Candiota, Luiz Carlos Folador, foi recepcionado pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Mauro Antônio Raupp, em Brasília, para apresentar o projeto do polo carboquímico. Hamm acredita que a implantação dos polos carboquímicos faz parte de uma política industrial



 “Queremos uma política energética sustentável – que envolva eficiência econômica, compatibilidade ambiental e segurança de suprimentos”


 “Na China, o plástico é produzido com carvão e não com petróleo”, exemplifica.
A pleno vapor, o polo carboquímico pode ampliar também a capacidade energética do Rio Grande do Sul. Sergio Meth conta que o gás de síntese pode ser usado como combustível para mover turbinas. “Os gases quentes aquecem uma caldeira que, finalmente, gera energia elétrica”, resume. O processo, diz ele, é chamado de “Ciclo Integrado de Gaseificação”, ou IGCC, na sigla em inglês. “As termoelétricas são importantes, mas também precisamos dos polos carboquímicos”, destaca.
Apesar do otimismo, Fernando Zancan, da ABCM, considera a implantação de novas políticas para o carvão mineral um desafio. “O carvão mineral ainda é desconhecido no país, apesar de ser o recurso mais abundante”, lamenta. Segundo ele, o minério não pode ser excluído das estratégias de desenvolvimento energético do país – que ainda carece de estabilidade. “Esses dias passei em frente ao Parque Eólico de Osório e as hélices estavam paradas. Não podemos depender do vento”, sustenta. Em relação ao polo carboquímico, Zancan acredita que o Rio Grande do Sul deve buscar tecnologia em países que já se desenvolveram na área, como é o caso da China. “Precisamos ir à China para entender o modelo de negócios deles”, pontua Zancan.

Outra referência é a Alemanha. No ano passado, o país europeu implantou 2.800 megawatts em geração de energia através do carvão. “Neste ano, foram mais 5,5 mil e, em 2014, serão mais 2,2 mil”, atesta. No Brasil, porém, o setor se desenvolve a passos lentos e ainda depende muito da realização de leilões de contratação de energia por parte do governo federal – o próximo deverá ocorrer em agosto deste ano.

 Exemplo estrangeiro
 
O funcionamento de um polo carboquímico é relativamente simples. De acordo com Sérgio Meth, consiste na construção de um reator que, além do carvão, utiliza oxigênio, água e areia. “Esta mistura fica flutuando dentro do reator para gerar o gás de síntese (syngas)”, explica. O projeto de Candiota, diz ele, poderia abrir mão de água e areia na estação. Isso porque o carvão depositado nas reservas do sul do Brasil já possui água. “A própria cinza do carvão, que costuma dar problemas na queima, contém água”, conta. Nesse processo, a obtenção de enxofre, produto importado pelo governo brasileiro, também aparece como benefício. Meth relata que a substância gera ácido sulfúrico para a produção de fertilizantes. “É o mesmo processo utilizado pela Petrobras para tirar enxofre das correntes de petróleo”. É também uma esperança para que o Rio Grande do Sul consiga explorar o carvão com menos impactos ambientais.




Nenhum comentário:

Postar um comentário