Revista Amanhã – Maio 2013
Nascido das cinzas
CRM: companhia pode se beneficiar do projeto que prevê o uso do carvão
como matéria-prima
O carvão mineral sempre foi uma espécie de riqueza
maldita do Rio Grande do Sul. Disponível em abundância, o minério pode
catapultar o desenvolvimento econômico do centro do Estado, especialmente na
região de Candiota. Entretanto, por ser poluente, permanece subexplorado e só
entra na pauta do governo quando secam os reservatórios das hidrelétricas. A
boa notícia é que já há alternativas em estudo para que o Estado consiga,
finalmente, desenterrar as riquezas de
Candiota – e com um impacto ambiental pequeno. Uma delas é utilizar o carvão
gaúcho não só para produzir energia, mas também para extrair insumos para a
indústria química. Em outras palavras, fazer de Candiota o primeiro polo
carboquímico do país.
A ideia não é nova. Inspira-se no caso da cidade de
Sasolburg, na África do Sul, onde o carvão há tempos é utilizado não só como
fonte de energia, mas também como fonte de insumos carboquímicos.
O projeto
consiste em estruturar uma cadeia produtiva a partir da gaseificação do carvão,
que gera metanol – matéria-prima de subprodutos como eteno, propeno,
formaldeído e outros. Que são utilizados para fabricar desde fertilizantes até ração
para bois, explica Sérgio Meth, professor da Universidade Federal do Pampa
(Unipampa), idealizador do plano. “Podemos produzir entre 1 e 2 milhões de
toneladas de metanol por ano”, assegura. O empreendimento também ajudaria o
Brasil a reduzir as importações de ureia – atualmente, diz Meth, as compras do
insumo custam US$ 1 bilhão por ano ao país. “A partir do gás carbônico presente
no gás de síntese do carvão (syngas), é possível obter a ureia, que é
matéria-prima de fertilizantes e ração”, pontua. “Temos linha férrea, estradas
e o porto de Rio Grande para escoar a produção.”
A formação de um polo carboquímico pode dar novo
alento também à indústria mineradora. Elifas Simas, presidente da Companhia
Riograndense de Mineração (CRM), destaca que, hoje, o carvão responde por
apenas 1,5% da energia gerada no país. “Já a Alemanha produz 45% de sua energia
através do carvão, e os Estados Unidos, 41%”, compara. Ele diz que o carvão
gaúcho funciona muito bem para geração, mas apresenta algumas desvantagens como
a enorme quantidade de cinzas (50%) e de enxofre. Com o polo, esse problema se
transformaria em uma solução. O deputado federal Afonso Hamm (PP-RS), líder da
Frente Parlamentar em Defesa do Carvão Mineral Gaúcho, conta que o polo
carboquímico pode beneficiar inclusive o polo petroquímico. “É possível mandar
eteno e polietileno de Candiota para Triunfo. Isso otimiza o retorno
financeiro”, garante.
A produção de combustíveis é outro benefício da
gaseificação do carvão mineral. Sérgio Meth, da Unipampa, traz como exemplo os
projetos de cerâmica, que poderiam receber a contribuição do gás de síntese.
“Falta combustível para esses projetos, não argila”, argumenta. Além disso, a
atividade carboquímica é menos poluente que a petroquímica, diz Meth. “Menos
gás carbônico, enxofre e óxido de enxofre são liberados na atmosfera. O
benefício financeiro também é maior”, conta o professor. Pelos cálculos dele, o
polo carboquímico demandaria investimentos de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões –
mas, no longo prazo, geraria receitas de até R$ 4 bilhões anuais.
“Queremos uma política energética
sustentável – que envolva eficiência econômica, compatibilidade ambiental e
segurança de suprimentos”
“Na China, o plástico é produzido com carvão
e não com petróleo”, exemplifica.
A pleno vapor, o polo carboquímico pode ampliar
também a capacidade energética do Rio Grande do Sul. Sergio Meth conta que o
gás de síntese pode ser usado como combustível para mover turbinas. “Os gases
quentes aquecem uma caldeira que, finalmente, gera energia elétrica”, resume. O
processo, diz ele, é chamado de “Ciclo Integrado de Gaseificação”, ou IGCC, na
sigla em inglês. “As
termoelétricas são importantes, mas também precisamos dos polos carboquímicos”,
destaca.
Apesar do otimismo, Fernando Zancan, da ABCM,
considera a implantação de novas políticas para o carvão mineral um desafio. “O
carvão mineral ainda é desconhecido no país, apesar de ser o recurso mais
abundante”, lamenta. Segundo ele, o minério não pode ser excluído das
estratégias de desenvolvimento energético do país – que ainda carece de
estabilidade. “Esses dias passei em frente ao Parque Eólico de Osório e as
hélices estavam paradas. Não podemos depender do vento”, sustenta. Em relação
ao polo carboquímico, Zancan acredita que o Rio Grande do Sul deve buscar
tecnologia em países que já se desenvolveram na área, como é o caso da China.
“Precisamos ir à China para entender o modelo de negócios deles”,
pontua Zancan.
Outra referência é a Alemanha. No ano passado, o
país europeu implantou 2.800 megawatts em geração de energia através do carvão.
“Neste ano, foram mais 5,5 mil e, em 2014, serão mais 2,2 mil”, atesta. No
Brasil, porém, o setor se desenvolve a passos lentos e ainda depende muito da
realização de leilões de contratação de energia por parte do governo federal –
o próximo deverá ocorrer em agosto deste ano.
Exemplo estrangeiro
O funcionamento de um polo carboquímico é
relativamente simples. De acordo com Sérgio Meth, consiste na construção de um
reator que, além do carvão, utiliza oxigênio, água e areia. “Esta mistura fica
flutuando dentro do reator para gerar o gás de síntese (syngas)”, explica. O
projeto de Candiota, diz ele, poderia abrir mão de água e areia na estação.
Isso porque o carvão depositado nas reservas do sul do Brasil já possui água.
“A própria cinza do carvão, que costuma dar problemas na queima, contém água”,
conta. Nesse processo, a obtenção de enxofre, produto importado pelo governo
brasileiro, também aparece como benefício. Meth relata que a substância gera
ácido sulfúrico para a produção de fertilizantes. “É o mesmo processo utilizado
pela Petrobras para tirar enxofre das correntes de petróleo”. É também uma
esperança para que o Rio Grande do Sul consiga explorar o carvão com menos
impactos ambientais.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário