segunda-feira, 11 de setembro de 2023

A MESMA NOVELA - Camaçari e Candiota

 A MESMA NOVELA - Camaçari e Candiota

 

Na década de 1980, o Polo Petroquímico de Camaçari na Bahia ia de vento em popa. Um Polo projetado para produzir os principais produtos petroquímicos consumidos no Brasil e que tinha sido uma prioridade para sua implantação pelos governos na década de 1970-1980, na fase da ditadura militar. Os investimentos foram da ordem de bilhões de dólares. Os lucros extraordinários. Também os empregos. Até onde se sabe, mais de 30.000 pessoas trabalhavam lá neste período, com uma renda bem maior que a obtida nos empregos nas cidade vizinhas, mesmo em Salvador, capital do estado, cerca de uma hora de carro do Polo..

 

Fonte: Attribution-NonCommercial-ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-NC-SA 2.0)

O investimento foi portanto pago, renda foi gerada, o comércio local se desenvolveu e as coisas foram muito bem por mais de 20 anos, desde o inicio da implantação até meados da década de 1990. Já no meio dos anos 1980, as administrações das empresas já viam uma tempestade no horizonte. Além da natural defasagem tecnológica dos processos, estava em curso a mudança dos sistemas analógicos para os digitais, mundo afora. Em Camaçari não foi diferente. Os sistemas foram sendo mudados. Onde antes se precisava de 5, 10 empregados na produção, agora bastava 1, com economia de tempo de até 90 % nos processos.

Neste ponto do texto, quero fazer uma defesa das direções das empresas. As pessoas se conheciam ali há anos. Os laços só faltavam ser familiares. Havia também o sindicato, bem atuante, diga-se de passagem. Enfim, ninguém queria ter problemas, pois no final as empresas estavam dando lucros, ótimos lucros, e para que mexer em time que está ganhando?

Mas ai venceu a eleição o senhor Collor de Melo. Seu discurso era de modernização e de abertura da economia brasileira, retirando as barreiras alfandegárias e forçando as empresas a se adaptarem. Por conta disso muitas empresas, Brasil afora, que estavam totalmente defasadas tecnologicamente e que não tiveram nem tempo nem chance de se modernizarem, acabaram fechando as portas, ou minimamente cortando na gordura, na carne e até no osso, no jargão empresarial. Grande parte deste ajuste foi feito via demissões, em massa. 

Não quero colocar aqui a culpa aqui exclusivamente no senhor Collor. Todos os políticos e lideranças empresariais sabiam que a hora da verdade iria chegar. Como o senhor Collor vivia repetindo, nossos carros eram carroças, nossos computadores também, talvez ele mesmo se comparasse a uma carroça, pois vinha de uma família mais que "tradicional" de Alagoas.

O resumo enfim da história é que a indústria não soube se preparar, ou se preparou jogando o preço da mudança nos empregados, que foram sumariamente demitidos. De 30.000 empregados, ficaram 5.000, se tanto, em Camaçari. O choque no comércio em Salvador foi enorme. O preço dos imóveis desabou. A cidade, que vivia em grande parte da renda que vinha do Polo de Camaçari, se ressentiu tremendamente. A situação só iria se normalizar anos mais tarde, com a entrada de novas empresas, modernização de muitas e fechamento de várias. O Polo Petroquímico voltou a ter peso na economia baiana, mas o preço humano, social e econômico foi enorme.

Os acontecimentos recentes aqui na nossa região, com a venda, já feita, ou pelo menos anunciada, da CGTTE em Candiota, parece ter todos os contornos daquela situação. Posso afirmar isso pois trabalhei mais de meia década numa das empresas de Camaçari como Engenheiro, e pude ver os fatos bem de perto.

 

 Fonte : Attribution-NonCommercial-ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-NC-SA 2.0)

 O primeiro fato que me chama a atenção é o tamanho do investimento, bastante elevado. O número de empregados, em relação ao tamanho do lugar, também bastante alto. Quando eu vejo os ônibus na estrada levando e trazendo o pessoal das termelétricas de Bagé para Candiota, me lembra bastante os ônibus na estrada Camaçari - Salvador.

Um fato que sempre foi dito, é que o ICMS de Bagé com 120.000 habitantes, vivendo basicamente de agropecuária, seria equivalente ao de Candiota com menos de 10.000 habitantes. Considerando-se que boa parte do ICMS de uma cidade, arrecadado pelo Estado, reverte para o município, seria de se esperar uma condição "pouquinha" coisa melhor em Candiota. Este é outro paralelo com o Polo Baiano, pois a maior parte dos ganhos nos anos áureos do Polo Petroquímico acabaram indo mesmo para Salvador e seu comércio pujante, com enormes supermercados e Shopping Centers.

Mas tanto em um caso como no outro, o chamamento do mundo foi inevitável. No nosso caso, são as energias renováveis, particularmente a solar, que irá ficar cada vez mais barata nos próximos anos. O ocaso da energia gerada por termelétricas é inevitável e já começou.

Aparentemente a empresa compradora pagou pouco mais de 10 milhões de dólares. O investimento inicial teria sido de pouco menos de 500 milhões. Na verdade a empresa está comprando o valor residual. Vai tirar o que der até o final do ano que vem e se não tiver mais jeito, irá sucatear, vender a sucata e deixar o passivo ambiental para o Estado resolver.

Provavelmente boa parte dos empregados irão ser demitidos nas próximas semanas, como aconteceu em Camaçari. Muitos irão embora. O comércio local, já não muito bem das pernas, irá sofrer um baque tremendo. Os valores dos imóveis irão ter uma queda significativa. A arrecadação dos impostos irá desabar, etc, etc.

 

 Fonte: Attribution-NonCommercial-ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-NC-SA 2.0)

 O pior de tudo é ver políticos quererem tomar vantagem da desgraça alheia e prometerem aquilo que não vão ter como cumprir. Já vi esta novela antes na Bahia, e por algum motivo, nenhum quer falar nada além de abobrinhas. Aliás recomendo aos senhores trabalhadores para tomarem muito cuidado com estes senhores. Nas palavras de Charles Chaplin: "Tudo prometem e nada cumprem".

Ocorreram "encontros" ou "seminários", ou seja lá o que for, em que se "debateu" como iria ser a "luta até a vitória". Luta contra o que? Contra o avanço tecnológico que retirou do carvão a primazia de ser a energia mais barata? Me desculpem, mas tudo isso é um monte de besteirol que acredita quem quer. Me recusei a toma5r parte neste tipo de "debate", até porque não existe argumento. Vamos manter, por "lei", unidades anacrônicas, obsoletas e antieconômicas, com o consumidor pagando o preço? Por favor, um pouco de seriedade não faria mal nestas paragens tropicais.

Quanto a solução, ela existe, chama-se Carboquímica. Mas para que esta seja posta a funcionar, será necessário seriedade, pessoas competentes e menos discursos demagogos de gente que não sabe distinguir reforma a vapor de destilação, como eu escutei (estava na porta) em seminário recente. Para esclarecer alguns pontos, a tecnologia tem que ser de ponta. Não adianta ficar fazendo teste em planta piloto (soa hilário). Precisamos de empresas com experiência internacional no ramo e que saibam como resolver os problemas, inclusive os ambientais.

Tivemos mais de dez anos para nos preparar e fazer as coisas acontecerem. Vi muita politicagem, muita demagogia e pelo visto enquanto a elite local não entender o tamanho da pedra que está vindo, vamos continuar pelo mesmo caminho. Parabéns aos responsáveis. Minha carta, escrita com os professores Dweck e Osvaldo, da Escola de Química da UFRJ, para o então Governador Tarso Genro, continua atual, tal como mais de dez anos atrás. A pergunta fica para os dirigentes políticos, empresariais e acadêmicos: O que foi feito? Esta é a pergunta a ser feita quando convocarem estes encontros demagógicos que a nada levam.


Professor Sérgio Meth Morgenbesser    

 

Para citar este artigo:

http://prof-sergiometh.blogspot.com/2023/09/a-mesma-novela-camacari-e-candiota.htm

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