Quem paga o pato?
Aprendemos na Escola Secundária que
corpos com pesos diferentes caem com a mesma aceleração e assim teoricamente
uma folha de papel cairia ao mesmo tempo em que uma bola de chumbo. Não podemos
observar isso diretamente devido à resistência do ar que provoca toda uma
variação de resultados. Coube a Galileu Galilei (1564-1642) isolar os efeitos
da resistência do ar e assim conseguir provar que a aceleração da gravidade é
uma constante para todos os corpos ao nível do mar (g = 9,81 m/s2).
Da mesma forma que Galileu,
precisamos ao analisar os eventos sociais e políticos que ocorrem ao nosso redor,
isolar efeitos paralelos que de repente ocorrem e se tornam muitas vezes mais
importantes que os próprios eventos. Isto me parece ser o caso em que um médico
cubano prestou ajuda a um morador de Candiota.
Antes de entrarmos no caso em si,
precisamos analisar as raízes do problema. Quando se trata de saúde pública, temos
o governo, os órgãos de classe (CRM, sindicatos, etc) e finalmente o povo.
Muitas vezes no meio de um debate, nem sempre tão calmo como deveria ser, temos
a impressão que na visão oficial o verdadeiro culpado pelos problemas do
sistema de saúde é o povo brasileiro, que insiste em ficar doente de vez em
quando.
Com a decisão do governo, de trazer
médicos estrangeiros sem o devido rito de revalidação do diploma, rito este que
tem que ser seguido por todos, inclusive pelos próprios brasileiros que estudam
no exterior, seguiu-se um debate de proporções colossais sobre o que e onde
estes médicos importados poderiam fazer ou deixar de fazer. A questão que não
ficou esclarecida é como se daria este processo que por fim foi decidido na
base do “decreto”. Fazendo as contas, noves fora, os médicos vieram para cá
cercados de restrições e o processo todo de muitas dúvidas. Obviamente que no calor
da contenda de ideias, o mais acertado seria focar no problema de saúde
pública, mas aparentemente o debate tomou o rumo de sempre, político, onde quem
menos interessa é o povo, que é claro, irá pagar a conta mais tarde. A ala do
governo defendendo a importação dos médicos, a ala da oposição sendo contra.
Enfim eles chegaram, alguns foram
alocados no Pampa, entre eles o médico Maikel Ramirez Valle. Pela noticia dos
jornais o único alocado em Candiota. Pelas regras do programa, o Senhor Valle
só poderia atender em uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Contudo ao ser
confrontado com um paciente em situação crítica sem outro médico no pronto
socorro local, o Sr. Valle tomou a única decisão razoável dentro de qualquer
ética e ajudou a pessoa. Por causa desta ajuda, o Senhor Valle ganhou o
noticiário nacional e se tornou o centro do debate político. Isto porque pelas
regras do programa ele não poderia estar ajudando a pessoa fora da UBS. O
Sindicato dos Médicos com isso encaminhou uma denúncia aos órgãos competentes
por exercício ilegal da medicina.
Isto tudo soa a samba de doido. A
defesa dos políticos é na verdade, como o próprio nome diz, política. O
interesse é defender o governo. Por que não mostram eles, de forma firme e
decidida, que precisamos efetivamente de mais médicos, mais escolas, mais
facilidade na revalidação de diplomas, isto para todos (na verdade esta parte a
verdadeira raiz do problema). O sindicato faz por sua vez uma denúncia onde a
ajuda, inevitável do ponto de vista ético e religioso-cristão, se torna um
crime com possibilidade de deportação!?
Para o Senhor Valle: sugiro que peça
para emigrar para o Brasil, se necessário asilo político. O Senhor Valle demonstrou
coragem, presença de espírito e também passou no teste. Cidadãos conscientes e
do bem nunca foram demasiados em lugar nenhum, muito menos no nosso pais, terra
de imigrantes. Sugiro também que revalide seu diploma no processo, enfrentando
as dificuldades que todos nós enfrentamos. Também será bom ver que dos US$
10.000 que lhe são pagos, todo dinheiro ficará com o Senhor Valle e não apenas
US$ 1.000 como agora, com o resto (US$ 9.000) indo para o governo cubano.
Precisamos mostrar para o Sr. Valle e os outros médicos cubanos que somos um
pais que temos e respeitamos leis trabalhistas.
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