segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Quem paga o pato? / Folha do Sul - 10.Fevereiro.2014



Quem paga o pato?

Aprendemos na Escola Secundária que corpos com pesos diferentes caem com a mesma aceleração e assim teoricamente uma folha de papel cairia ao mesmo tempo em que uma bola de chumbo. Não podemos observar isso diretamente devido à resistência do ar que provoca toda uma variação de resultados. Coube a Galileu Galilei (1564-1642) isolar os efeitos da resistência do ar e assim conseguir provar que a aceleração da gravidade é uma constante para todos os corpos ao nível do mar (g = 9,81 m/s2).
Da mesma forma que Galileu, precisamos ao analisar os eventos sociais e políticos que ocorrem ao nosso redor, isolar efeitos paralelos que de repente ocorrem e se tornam muitas vezes mais importantes que os próprios eventos. Isto me parece ser o caso em que um médico cubano prestou ajuda a um morador de Candiota.
Antes de entrarmos no caso em si, precisamos analisar as raízes do problema. Quando se trata de saúde pública, temos o governo, os órgãos de classe (CRM, sindicatos, etc) e finalmente o povo. Muitas vezes no meio de um debate, nem sempre tão calmo como deveria ser, temos a impressão que na visão oficial o verdadeiro culpado pelos problemas do sistema de saúde é o povo brasileiro, que insiste em ficar doente de vez em quando.
Com a decisão do governo, de trazer médicos estrangeiros sem o devido rito de revalidação do diploma, rito este que tem que ser seguido por todos, inclusive pelos próprios brasileiros que estudam no exterior, seguiu-se um debate de proporções colossais sobre o que e onde estes médicos importados poderiam fazer ou deixar de fazer. A questão que não ficou esclarecida é como se daria este processo que por fim foi decidido na base do “decreto”. Fazendo as contas, noves fora, os médicos vieram para cá cercados de restrições e o processo todo de muitas dúvidas. Obviamente que no calor da contenda de ideias, o mais acertado seria focar no problema de saúde pública, mas aparentemente o debate tomou o rumo de sempre, político, onde quem menos interessa é o povo, que é claro, irá pagar a conta mais tarde. A ala do governo defendendo a importação dos médicos, a ala da oposição sendo contra.
Enfim eles chegaram, alguns foram alocados no Pampa, entre eles o médico Maikel Ramirez Valle. Pela noticia dos jornais o único alocado em Candiota. Pelas regras do programa, o Senhor Valle só poderia atender em uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Contudo ao ser confrontado com um paciente em situação crítica sem outro médico no pronto socorro local, o Sr. Valle tomou a única decisão razoável dentro de qualquer ética e ajudou a pessoa. Por causa desta ajuda, o Senhor Valle ganhou o noticiário nacional e se tornou o centro do debate político. Isto porque pelas regras do programa ele não poderia estar ajudando a pessoa fora da UBS. O Sindicato dos Médicos com isso encaminhou uma denúncia aos órgãos competentes por exercício ilegal da medicina.
Isto tudo soa a samba de doido. A defesa dos políticos é na verdade, como o próprio nome diz, política. O interesse é defender o governo. Por que não mostram eles, de forma firme e decidida, que precisamos efetivamente de mais médicos, mais escolas, mais facilidade na revalidação de diplomas, isto para todos (na verdade esta parte a verdadeira raiz do problema). O sindicato faz por sua vez uma denúncia onde a ajuda, inevitável do ponto de vista ético e religioso-cristão, se torna um crime com possibilidade de deportação!?
Para o Senhor Valle: sugiro que peça para emigrar para o Brasil, se necessário asilo político. O Senhor Valle demonstrou coragem, presença de espírito e também passou no teste. Cidadãos conscientes e do bem nunca foram demasiados em lugar nenhum, muito menos no nosso pais, terra de imigrantes. Sugiro também que revalide seu diploma no processo, enfrentando as dificuldades que todos nós enfrentamos. Também será bom ver que dos US$ 10.000 que lhe são pagos, todo dinheiro ficará com o Senhor Valle e não apenas US$ 1.000 como agora, com o resto (US$ 9.000) indo para o governo cubano. Precisamos mostrar para o Sr. Valle e os outros médicos cubanos que somos um pais que temos e respeitamos leis trabalhistas.

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