segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O Custo / Folha do Sul - 3.Fevereiro.2014



O Custo

Havia um ditado no fim da ditadura sobre obras públicas: “melhor pagar as comissões e não fazer o projeto, sai mais barato porque não vai ser feito mesmo”. Os números cercando obras do governo eram estrondosos do ponto de vista financeiro (e de desvios dos recursos). Muitas tinham sido planejadas sem que sequer existissem necessidades. Um exemplo flagrante disto é a Transamazônica. Para que construir uma estrada paralela ao rio Amazonas se o próprio rio é uma via natural de transporte? Outro exemplo gritante é a Ferrovia do Aço. Para que construir uma via férrea se existia outra paralela e que poderia ser ampliada e melhorada a um custo bem menor? Os exemplos se multiplicam, grandes ou pequenos. Particularmente ninguém fala mais na Ferrovia do Aço, projeto que virou ferro velho, bilhões de nossos impostos foram gastos ali e nunca teve nenhum uso. A máquina estatal estava em um estado tal de desmoralização que a pergunta que fica é: Por que durou tanto tempo (20 anos) aquele estado de coisas?
As pessoas que ganham postos de responsabilidade na administração pública muitas vezes passam a ter um poder de decisão enorme. Certamente o poder não muda as pessoas, apenas revela como elas realmente são. Desnecessário lembrar que os “tomadores de decisão” vem do mesmo molde social de todos nós. Numa sociedade democrática com imprensa livre, judiciário independente, um parlamento atuante e eleições periódicas, as barreiras para desvios são teoricamente maiores mas mesmo assim sempre ocorrem os escândalos de sempre. Este não é um “privilégio” brasileiro mas do mundo todo. Uma das faces mais visíveis de corrupção vem paradoxalmente da China, um pais com um sistema governamental fechado, onde corruptos pegos com a mão na botija são executados publicamente com uma bala na nuca (a família paga a bala da execução para não haver prejuízo ao erário). Digo paradoxal porque são as organizações internacionais de direitos humanos que tanto denunciam estas execuções.
Os problemas deste tipo (corrupção e mau uso do dinheiro público) no governo se multiplicam desta forma em todos os níveis e compete a sociedade procurar se defender com os instrumentos que tem a disposição. Se pretendemos ser uma sociedade moderna e progressista, nada mais importante que tentar entender como funcionam estas decisões, como podemos influencia-las e mesmo detê-las se elas se opõem aos nossos interesses. Ocupar um cargo público significa muito mais responsabilidades que privilégios e quem se propõem a isto tem que entender que a cobrança será inevitável e pensar duas vezes antes de fazer (ou deixar de fazer) algo que irá afetar a vida das pessoas que lhe confiaram este mesmo poder muitas vezes eletivamente.
Temos assim uma situação que poderíamos classificar como permanente em que a tentação de ganhos fáceis em posições públicas está sempre a espreita dos detentores do poder. Mas assim como existe esta tentação, existem os mecanismos para que aqueles que se proponham a tal saibam que existem consequências. A responsabilidade da sociedade civil é assim enorme para que tenhamos certeza de que recursos públicos, oriundos do suado trabalho do povo através de impostos, sejam gastos devidamente e não em festas temperadas com estes mesmos recursos.
Muito pior que a atitude daqueles que assim se revelam abutres do patrimônio coletivo para obtenção de privilégios e ganhos pessoais, muito pior, muito pior mesmo... é o silêncio dos bons, que ao se calarem aceitam o que lhes é imposto, alias não somente a eles mas também aos demais membros da coletividade.
Escrevo esta coluna em homenagem aos colegas Muza e Leo que demonstram uma coragem que espero poder um dia estar a altura. A voz deles, por mais que incomode aqueles que se acham acima do bem e do mal, é para nós a luz de um farol a nos balizar no meio de um oceano muitas vezes escuro e atormentado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário